
Alexandre Lucas
– Ladrão, ladrão.
Gritava, o bodegueiro com o facão em punho, atacando o balcão. Isso aconteceu quinta-feira, estava dormindo. Acordo atoado. Pego o celular: “Policial militar é morto a tiros ao sair de partida de futebol”. Leio a matéria: estava acompanhado da esposa. Os assassinos não foram identificados. Vários tiros, alguns na cabeça. De acordo com Clarice Lispector: “Uma bala bastava. O resto era vontade de matar”.
Escuto Sabotage e Jorge Mautner, próximo do meio-dia. Hoje é domingo, tento criar minha rotina, lá fora tem jogo, mas não queria soar assim, queria conversas leves e massagens fáceis.
O bodegueiro ainda mantém a bodega aberta. No domingo, vende mais e as notícias das vidas alheias preenchem as prateleiras. Sabotage e Jorge Mautner cantam para a comunidade, não queria escutá-los sozinho. A caixa de som foi para a varanda porque a paisagem sonora daqui não é só tiro e grito.
A mãe de Maria veio pegar uma pipa, a última, tinha guardado. Maria tem 7 anos. Na idade dela, soltava pipas, não escutava Jorge Mautner, nem Sabotage, tinha sonhos e pesadelos, via brigas de facas e um dia viu um homem estendido no chão, seu sangue escorria pelo buraco da bala.
Maria talvez não saiba, o ladrão passou por aqui, não era um dos nossos, vendia mentiras e assaltava nossos almoços e corações.