
Luciana Bessa
Depois de quatro livros de contos publicados, a escritora paraibana Marília Arnauld, em 2012, nos apresenta seu primeiro romance, Suíte de Silêncios, centrado na protagonista Duína Torealba, uma violinista frustrada e entorpecida pela dor de ser e de estar no mundo.
O termo suíte pode ser interpretado a partir de duas concepções: 1) quarto com banheiro privativo. Neste espaço, as personagens lambem suas dores. 2) na música, uma sequência de peças instrumentais com a mesma tonalidade, mas com andamentos diferentes que formariam uma composição. A estrada palmilhada é uma sequência de dores vivenciadas pela protagonista. Quanto ao silêncio, ele acontece no exterior das personagens, pai, mãe, filhos, que ao não verbalizarem suas agonias e seus lutos, tornando-se pessoas ensimesmadas. No interior de cada uma delas, há vozes que gritam abandono e solidão.
A obra, narrada em primeira pessoa, inicia e termina de maneira dorida com duas vozes que se alternam: Duína, menina e mulher. A primeira narra a partida de sua mãe aos nove anos de idade. A segunda, a deserção de seu grande e único amor: João Antônio.
O romance traz a epígrafe de Bernardo Soares: “Somos quem somos e a vida é pronta e triste”. Lembrando que estamos falando de um dos heterônimos do escritor português Fernando Pessoa, conhecido por sua introspecção e melancolia. A escrita de Soares é caracterizada pela sutileza, reflexão, tom confessional e niilista, assim como a que nos deparamos em Suíte de Silêncio.
Trata-se de uma narrativa intimista em que Duína escreve uma grande carta ao amado, o médico João Antônio, morador de Pedra Branca, que a rejeita para ficar com a esposa e os filhos. Nesta carta, Duína traz à tona, em ordem não linear, toda a sua existência, desde uma segunda-feira do mês de dezembro, em que a mãe fora deixá-la na aula de violino e não voltara para buscá-la “nem para jantar conosco” (p. 10). Aos nove anos, Duína descobre que “homens também choram.
Recordo do poeta gauche, Carlos Drummond de Andrade, quando pergunta: “E agora, José?” (…). “E agora, Duína?”. Ela toma para si a responsabilidade de cuidar de Pedrinho, seu irmão mais novo, que só sabe berrar. Mesmo consumida pela tristeza, ela vai até o quarto dele, o põe na cama e lhe conta “uma das histórias inventadas por mamãe” (p. 10). Ela também quer cuidar do pai: “Quero abraçar papai, tomar-lhe todas as lágrimas, mas tenho medo de me aproximar, tenho medo desse pai que não conheço” (p. 11), um homem casulo que não enxerga mais os filhos, pois está ocupado demais cuidando do frio e do vazio que guarda dentro de si. A viagem sem volta da mãe de Duína ensinou-lhe a triste lição de que “a família perfeita não passava de um sonho” (p. 12). A não concretização de sonhos leva a um sentimento de frustração e de tristeza.
Desde cedo, Duína teme pela vida do próprio pai. Ajoelha-se no oratório da vó Quela e roga a Deus e aos santos que eles não o levassem dela, mesmo que o pai não lhe “dirigisse a palavra”, e evitasse até mesmo olhá-la, sabia que ao final da noite, ele “retornaria para casa, para continuar sendo meu pai” (p. 13). O abandono é não só da mãe, mas também do pai, cuja única ocupação era sentir
“a falta da mulher amada” (p. 15). Se fosse o contrário, ou seja, o homem a abandonar a família, provavelmente, a mulher não teria tempo ao sofrimento, já que estaria cuidando dos filhos.
Mas como a vida tem seus segredos, todos daquela família sobreviveram – tristes, sem amigos e com pesadelos à noite – tendo a companhia da vó Quela que veio morar com eles. A relação entre neta e avó é um dos pontos altos do livro. Com ela, Duína novamente passou a ter uma referência e uma voz feminina em casa, embora o “processo mental” da protagonista continuasse sendo um “vulcão em erupção contínua, pensamentos, fantasias, lembranças, tudo se atropelando num redemoinho” (p. 36), que culminou com o abuso sexual de Duína pelo professor Ramon.
A relação professor e aluna começou com medo por parte dela, pois Ramon tinha fama de ser rigoroso. Mas aos poucos, ele conseguiu ganhar sua confiança: paciência, carinho e atenção era o que Duína precisava. Eis que começa a falar de si, da necessidade da música para agradar o pai, a ausência da mãe – “Foi nesse dia que lhe mostrei a ferida que apodrecia minha alma” (p. 57). A menina fragilizada foi uma presa fácil para o abusador.
Resta à Duína, a ausência da mãe, a saudade do pai presente, um vazio no peito pela partida João Antônio, além de palavras e memórias que ela oferece ao amor de sua vida, enquanto suas “células desgovernadas” não consomem seu corpo levando-a para a escuridão.
FONTE: ARNAUL, Marília. Suíte de silêncios. Rio de Janeiro. Ed. Roco, 2012.
Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)