
Rodrigo França
Sentado na calçada de casa, junto à parede, jogava conversa fora com um colega de trabalho. O sol já se punha, pintando o céu de Juazeiro do Norte com tons de laranja e roxo, e o assunto, como sempre, flutuava sem compromisso. De repente, ele me surpreendeu com uma pergunta:
— Ontem li um livro e não entendi muito bem. Por que será?
Fiquei em silêncio por um instante, o olhar perdido no movimento da rua. Lembrei-me de um professor da faculdade que costumava dizer que a vida, assim como a leitura, se revela nos detalhes. Ao invés de mergulhar numa discussão sobre técnicas de leitura, decidi por um caminho mais… pictórico.
— Sabe, outro dia, fazendo o mesmo percurso de sempre para o trabalho, percebi uma casa de primeiro andar que nunca havia notado. Grades douradas, bem fechadas, daquelas que mal passa uma mão. É estranho, não é? Faço aquele caminho todo dia!
Ele me olhou com uma sobrancelha arqueada, o ceticismo estampado no rosto.
— O que uma casa tem a ver com um livro?
Sorri. A analogia ainda não tinha clicado.
— Pensa comigo: quando você anda na rua, nem sempre se atenta a tudo, certo? Os buracos no asfalto, as cores das casas, os prédios, a pichação no muro… são tantos elementos que compõem aquele caminho.
— Então eu tenho que andar mais atento quando saio na rua? — perguntou, a dúvida ainda presente, mas com um lampejo de curiosidade.
Aí, sim! Era exatamente onde eu queria chegar.
— Exato! E é aí que mora a dificuldade na leitura. Muita gente não vai além do que está exposto, do superficial. É como passar apressado pela rua e não ver a beleza daquela casa dourada, que sempre esteve ali.
Ele fixou o olhar no chão, uma expressão pensativa e, por um breve momento, confusa. De repente, um estalo! O semblante se iluminou.
— Agora entendi! — respondeu com um entusiasmo contagiante. — Assim como na rua, quando eu ler um livro, preciso observar os detalhes e ler quantas vezes for necessário, é isso?
Mantive uma expressão séria, mas por dentro, estava satisfeito. A satisfação de quem vê uma ideia, complexa talvez, finalmente encontrar seu lugar.
— Sim, cada buraco, casa, cor, prédio, representam um elemento do texto. E cada rua irá constituir um gênero textual específico, assim como as cidades seriam as tipologias…
Ele me interrompeu, a mente já voando, conectando os pontos.
— Sendo assim, cada rua, dependendo do estado em que se encontra, irá representar o nível linguístico do texto! Por isso preciso entender como funciona lendo várias vezes!
Aquela explicação foi libertadora. Para ele, claro. Para mim, a certeza de que a beleza do aprendizado está em compartilhar e ver o outro voar. Depois de tudo, voltamos à nossa conversa fiada. — Você soube que a filha da vizinha está grávida e não sabe quem é o pai.
Sobre o autor:

*Leitor, amante de ficção, professor. Licenciado em letras português, especialista em metodologia do ensino de língua espanhola e neuropsicopedagogia, servidor público do estado combatendo a desigualdade através da educação.