Não consegui me expressar como queria

Luciana Bessa

Você já tentou falar tudo o que está preso na sua garganta e não conseguiu? Eu já… por uma dezena de vezes.

Você já tentou dizer tudo o que pensa a respeito do outro, mas no meio da discussão, você começa a chorar e a voz falha? Eu já… por uma dezena de vezes.

Você já tentou apresentar um trabalho, seja na universidade ou no seu ambiente de trabalho, e sua voz engasgou? Eu já… por uma dezena de vezes.

Diante dessa realidade, pensei: é falta de conteúdo. Estudei por anos a fios, mas nada mudou. Então passei a me definir como uma pessoa tímida, já que me sentia inibida quando precisava me comunicar e interagir socialmente com o outro.

Com o passar do tempo, fui compreendendo que não se tratava de ter pouco conhecimento sobre um dado assunto, ou o fato de ser tímida. Fiquei desnorteada.

Comecei a me questionar: se sei o exatamente o que quero dizer, por que não consigo fazê-lo?

Os médicos estudam para serem especialistas em um campo de atuação do corpo humano. Os jogadores de futebol são treinados para serem bons em uma determinada posição dentro de campo, mas nós, mulheres, não. Somos adestradas para assumir o papel de: boa mãe, boa filha, boa neta, boa irmã, boa prima, boa amiga, boa aluna, boa funcionária…

Nos filmes, vemos o famoso clichê da mulher linda e impecável dirigindo um carro caríssimo para ir trabalhar. Antes, ela para tomar seu café na Starbucks e, ao descer do carro, todos a admiram. A “sociedade do espetáculo” nos vendem imagens praticamente impossíveis de alcançar.

Infelizmente, na vida real muitas de nós se acha incapaz de ministrar uma palestra para duzentas pessoas sobre um assunto que dominamos. Ao invés de pensar em todas as conquistas que nos levaram a estar ali, muitas de nós imagina: “se alguém me fizer uma pergunta e eu não souber responder”?, “se eu engasgar?”, “será que os slides são suficientes?”, “minhas roupas estão adequadas?”, etc.

O medo de não agradar acaba não permitindo que nos expressemos como gostaríamos.

O medo de cometer um erro acaba não permitindo que nos expressemos como gostaríamos.

O medo de ser julgada acaba não permitindo que nos expressemos como gostaríamos.

O medo de não ser perfeita acaba não permitindo que nos expressemos como gostaríamos.

Se expressar como gostaríamos está muito além do conteúdo a ser proferido.

Tem a ver como fomos educadas no seio familiar. Eu, por exemplo, não podia me intrometer na conversa dos adultos, ou responder a uma pessoa mais velha do que eu. “Respeito é tudo”. Se fosse com minha mãe à casa de um parente, de uma amiga dela, era previamente instruída: “se perguntar se você está com fome, responda que não”.

Tem a ver com nossas experiências anteriores.  Eu, por exemplo, tive poucas. As que tive, foram péssimas. Fiz o curso de Letras. Seminário, mais do que a palavra Leitura, permeou quase cinco anos da mina vida. Odiei “fazer seminário” com todas as minhas forças. Meus colegas diziam que os professores preguiçosos, que não queriam dar aula, mandavam os estudantes apresentarem o seminário (na época odiei os professores também). Tudo (ou quase tudo que falávamos) estava errado. Durante anos me preparei para o “errado”. Falar em público tornou-se um suplício.

Tem a ver com a sociedade na qual estamos inseridas. Patriarcal e misógina, para muitos, falar em público é coisa de homem. Afinal, a mulher teria mais proveito se tivesse em casa cuidando dos filhos e esperando o marido com um jantar: “querido, como foi sua palestra?”.

Tem a ver com as emoções, por isso, é importante ficar atento a elas, saber domá-las. Quando estamos com raiva, as mãos ficam suadas, o corpo treme, a voz fica mais alta, as palavras se atropelam dentro de nossa boca dificultando o modo com que falamos e escutamos. Não queremos mais comunicar, mas reagir ao que o outro diz. A comunicação, logo, se torna violenta.

Além disso, as emoções interferem em nossa escuta. Se estamos tristes, um simples comentário pode se tornar o motivo para uma desavença. Se estamos felizes, um feedback negativo passa despercebido. A carga emocional é vital para que possamos nos expressar como desejamos.

No fim das contas, Fernando Pessoa tinha razão: a verdadeira pátria não é um lugar, não é um estado. Nossa Pátria é a Língua que falamos. 

Sei que criamos a imagem de que falar é perigoso, porque quando falamos as pessoas sabem exatamente o que pensamos, o que sentimos, o que somos. Não deixa de ser verdade! Contudo, o mais perigoso é calar. A vida é uma travessia perigosa: exige coragem e que falemos o que se passa n’alma.