Estrela-Fatal: Francisca Clotilde

Luciana Bessa

Conheci Francisca Clotilde Castelo Branco tardiamente. É eu o que o patriarcado tem essa prerrogativa de silenciar e de excluir as mulheres do cânone literário, Não só.

Quem me apresentou Francisca Clotilde foi o Grupo de Estudos Filhas de Avalon através da professora Gildênia Moura, cuja tese de doutorado se chama “Mulheres beletristas e educadoras: Francisca Clotilde na sociedade cearense (da segunda metade do século XIX ao limiar do século XX)”. Um texto riquíssimo que precisa ser lido, assim como a própria escritora, essa tauaense nascida no ano de 1862, período em que o Ceará passava por uma grande epidemia: a cólera-morbo.

Em virtude da seca de 1877, a família da autora migra para a cidade de Baturité, onde ela fez o Curso Primário. Logo em seguida, muda-se para Fortaleza, onde Clotilde passa a estudar no Colégio da Imaculada Conceição. Anos depois, em 1921, a escola teria outra aluna brilhante: Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL). Clotilde participou também ativamente do movimento abolicionista integrando a Sociedade das Senhoras Libertadoras ou Cearenses Libertadoras, cuja presidente foi Maria Tomásia Figueira Lima. Para Francisca Clotilde “O Ceará é Livre”, poema publicado no jornal O Libertador.

Clotilde foi daquelas jovens que conserva o diário como ferramenta de confidência e de resistência. Talvez por isso, aos 14 anos de idade, já havia publicado seu primeiro texto, poesia, “Horas de Delírio”, no jornal O Cearense, no ano de 1877.

Morando na capital, Francisca Clotilde passa a frequentar o Clube Literário, agremiação que se destacou por suas atividades de fomento à leitura e à literatura contribuindo para a formação cultural da população cearense, fundado por João Lopes, Antônio Bezerra, Oliveira Paiva, José Olímpio, entre outros.

O Clube Literário manteve uma revista de caráter puramente literário, A Quinzena, onde Francisca Clotilde colaborou com textos voltados para a luta dos direitos iguais entre o gênero masculino e o gênero feminino, como: “A educação moral das crianças na escola”, “A mulher na família”, “Mãe dolorosa”, “A saudade de um anjo”, “Em noite de luar” (conto), “Deserto” (Poesia), além de textos sobre os seus escritores favoritos, como Victor Hugo. Interessante observar que mesmo escrevendo sobre os direitos das mulheres, Francisca Clotilde sempre foi uma escritora da Escola Romântica. Em sua obra, é destaque também seu vínculo ao catolicismo, como pode ser observado no poema “Irmã de Caridade”, publicado no ano de 1883, no jornal O Cearense.

Contrariando a lógica de que a mulher deve ficar no espaço privado, Francisca Clotilde foi a primeira mulher a lecionar na Escola Normal do Ceará, em 1882, além de colaborar em jornais, como: O Domingo, A Evolução, O Libertador etc. É desse ano a publicação do poema “A Liberdade”, no Gazeta do Norte, do qual destaco os versos: “No Brasil, pátria de heróis / Não deve haver mais escravos/ Não deve esta mancha negra / Tingir a fonte dos bravos…”.  Sabemos que em pleno século XIX não era fácil ser mulher em uma sociedade feita por homens e para os homens (hoje, ainda, não é) e se posicionar criticamente sobre temas como a escravidão.

Neste mesmo ano, casa-se com Francisco de Assis Barbosa Lima, contudo pouco sabemos da vida do casal. O certo é que em 1886, Clotilde conhece o capitão Antônio Duarte Bezerra, professor do Liceu, e então diretor do jornal O Combate. Três anos depois, ambos publicam o livro Lições de Aritmética, obra com objetivos pedagógicos destinada ao universo feminino da Escola Normal.

Depois dessa publicação, Clotilde sai da Escola Normal (ou é demitida?) e funda o “Externato Santa Clotilde”, que funcionou apenas três anos. Seu novo destino é Baturité. Muitas são as lacunas na trajetória de Clotilde, uma mulher entre o século XIX e o XX, onde o patriarcalismo estava pautado (hoje não é diferente) entre vigiar e punir.

No ano de 1902, Francisca Clotilde publica o romance A Divorciada, causando um escândalo nas letras cearenses, não necessariamente pelo conteúdo, mas pelo título. Lembrando que no Brasil, o divórcio só foi aprovado em 26 de dezembro de 1977 (Lei 6515).

O romance foi publicado cinco anos após a mudança de Francisca Clotilde de Fortaleza para Baturité. A personagem central Nazareth relata seu sonho de se divorciar de seu marido, que fugira do hospital e, anos depois, retorna.  Fora da ficção, o marido da autora esteve hospitalizado durante anos. Clotilde  teve um relacionamento com o capitão Duarte gerando filhos, não é à toa que enfrentou a sanha de uma sociedade marcada por tabus. Realidade e ficção se unem na obra dessa tauaense.

No ano de 1906, as letras cearenses veem o nascimento do Almanaque do Ceará, A República e a revista A Estrella, difundindo à literatura, à coragem e à fé, na luta por uma sociedade mais justa, editada por mulheres e escrita por centenas de colaboradores de ambos os sexos, entre 1906 e 1921. Neste periódico, encontramos textos das irmãs Sampaio, Abigail e Maria, além das escritoras Francisca e Antonieta Clotilde (mãe e filha)

Pelos meados de 1909 e 1910, surgiu o Ceará Intelectual, organizado pelo professor Joaquim da Costa Nogueira, que possibilitava reflexões sobre o cenário intelectual da época. Esta publicação em prosa, que contou com muitas participações masculinas e poucas femininas, tem textos de Francisca Clotilde – “O Ceará” e “Iracema”.

Em 8 de dezembro de 1935, falece Francisca Clotilde. Sobre o seu túmulo “caíram as lágrimas de todos que lhe conheciam a grandeza do gênio e a beleza do coração”, nos confidenciará afirma Stella Barbosa.

Falar Francisca Clotilde é falar de uma andarilha (Tauá- Baturité – Fortaleza – Aracati), que chocou a sociedade a falar de uma temática “antifamiliar”, o divórcio, em uma época em que “o que Deus uniu o homem não separava”.

Entre cidade e litoral (1862-1935), nascimento e morte, entre um Brasil Monarquia e Província, Francisca Clotilde, deixou-nos um legado rico entre a Literatura e a Educação, que espera por você.

sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)