Quando a Literatura causa medo

Conceituar ou definir um vocábulo não é uma tarefa fácil, sobretudo se o vocábulo é Literatura, palavra de caráter polissêmico e polifônico.

A escritora Marisa Lajolo declara  que as perguntas sobre Literatura ultrapassam os séculos, porém as respostas são sempre provisórias porque a cada época surgem novos conceitos. E acrescenta: “as definições propostas para a Literatura importam menos que caminho percorrido para chegar até ela”. Ou seja, não se trata de conceituar um termo tão rico e abrangente, mas compreender que: 1) “A literatura existe”. Ela é lida, vendida, estudada, pesquisada. 2) “A literatura é um Direito de todos” (Antonio Candido).

Há quem pense que a literatura é um trabalho individual de um artista. Antes de tudo, ela é um produto da sociedade. Neste sentido, o estudo da literatura não se restringe às relações entre o escritor e sua obra. Sempre me pergunto: Qual é o lugar dos artistas na sociedade? São essenciais ou marginais?  Eu poderia responder essenciais/marginais. Sem eles a vida seria  “sem graça, sem alma”  – um completo breu. Com eles, surge a necessidade de produzir sentido e adquirir prestígio em um contexto que transforma tudo em mercadoria e tudo passa a ser hierarquizado pela escala da utilidade imediata.

Se é verdade que um país se faz de homens e livros, se é verdade que um país pode ser compreendido pela literatura que ele produz, é preciso estar atento e  forte, como nos diria Gal Costa, para refletir não só sobre o poder da literatura, mas do que estamos produzindo e o que estamos consumindo.

Não é à toa que dentre os livros mais vendidos, estão os de autoajuda. Com fórmulas prontas, eles indicam o caminho (fácil) para o sucesso e para a felicidade. O medo que esses livros trazem é justamente o fato de não permitir que o leitor se depare com seus problemas, com suas dores. Por que sentir angústia, se a felicidade está batendo à nossa porta? Por que amar uma única pessoa, se existem várias? Ao invés de estimular o auto-conhecimento, de permitir que o leitor descubra a força que traz dentro de si, tais livros podem gerar uma dependência para resolver suas questões com rapidez, praticidade e eficiência.

Esse tipo de gênero, nascido no século XX, propõe-se a ajudar com  os problemas gerados pela sociedade de massa e pelo processo de globalização que  retirou a unidade do sujeito. As identidades tornaram-se fragmentadas. As narrativas morais  entraram em colapso. Os conceitos de “certo” e “errado” passaram a ser relativos. Logo, as narrativas de autoajuda nasceram para ser um “exemplo a ser seguido”. Esse tipo de livro, que nada ajuda, tira do sujeito a autonomia de pensar, de questionar, de lidar com as pedras em seu caminho. Entre ser ou não ser, os livros de autoajuda, contribui para o “não ser”.

Platão nem sonhava com o gênero de autoajuda quando, ao criar sua cidade ideal, República, expulsou os poetas em vez dos criminosos. Ao ler isso pela primeira vez, fiquei estarrecida. Qual o mau que eles podem fazer?

O filósofo acreditava, e ele estava coberto de razão, que a poesia era perigosa justamente pelo fato de sua linguagem ser metafórica, sedutora, capaz de nos tocar, nos seduzir e nos conduzir a experiências profundas. Por se valer do jogo de palavras e imagens, a poesia é um convite irrecusável à beleza, à rebeldia e à reflexão.

Platão compreendia que a poesia era um desafio para a política educativa  em virtude de sua “intenção alegórica”. Ou seja, todo texto, independentemente de ser ficcional/metafórico, transmite uma mensagem. A poesia, se utilizada como um recurso didático, pode ilustrar conceitos (metafísicos, fenomenológicos, existenciais) capazes  de tirar o leitor do mundo das aparências (mundo sensível) e o conduzir ao mundo verdadeiro ( mundo inteligível ou das Ideias).

Por isso, os governos autoritários são, fundamentalmente, contra as artes que não estejam alinhadas aos seus propósitos ideológicos. É só lembrar  que ao longo dos séculos, os livros, por serem uma ameaça ao status quo de determinadas sociedades, foram queimados em praça pública.

Platão, assim como os governos autoritários, temia que os poetas veiculassem valores –  perseverança,  solidariedade,  integridade, independência e autoconfiança – impossíveis de se desfazerem caso eles entrassem em discordância com aqueles pregados pelos dirigentes.

Logo, é mais fácil legislar para dificultar o acesso ao livro ou censurá-lo. Caso encontre dificuldades, já que vivemos em uma sociedade democrática, há um caminho alternativo: incentivar a leitura dos livros de autoajuda!

Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)