Grávido aos 47

Acordei grávido aos 47 anos. A lua estava cheia e os lençóis, suados. Tomei duas garrafas de água e meus olhos pareciam sambar. Engravidar aos 47 é como chegar aos 18 — não sei bem a relação desta analogia, mas acredito que faça algum sentido. Aos 18, a responsabilidade aumenta e o mundo parece ser outro.

Aos 47 anos, ainda se tem muita coisa para fazer. Meus avós se foram perto dos noventa. Morreram um pertinho do outro, tanto os maternos quanto os paternos. Não sei se chego até lá. Não penso em pular da varanda, tento me alimentar bem e, por incrível que pareça, frequento a academia — mas não tiro foto. O destino é imprevisível. Não estava nos planos engravidar aos 47.

Mas aos 47 engravidei, e amanhã o mundo pode acabar. Enquanto ele não acaba, cuido da gravidez. Talvez sejam gêmeos; esse é o desejo. Talvez a gravidez esteja só na cabeça.

Engravidar aos 47 é acreditar que não há idade para plantar primaveras.

Ainda bem que engravidamos aos 47. Grávidos, podemos parir a lua, o sol e as manhãs mais verdes — mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena, como alertou o poeta, para dizer que a vida vale a pena.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.