
Dia 29, último sábado do mês de novembro. Participei na condição de ouvinte do grupo de Direito e Arte, projeto de Extensão da Universidade Regional do Cariri (URCA), coordenado pela professora Ana Elisa Linhares e conduzido por Juliana Souza.
Livro escolhido pelo grupo? A Metamorfose do escritor alemão Franz Kafka. Sou dessas pessoas que fica impressionada com o poder dos livros através dos tempos. Uma narrativa concebida em 1915 é tão atual em 2025, que me questiono, se o escritor é um gênio, ou se a humanidade retrocede política, social, econômica e afetivamente com o passar dos dos anos? Penso que as duas opções.
Em A Metamorfose (1915) conhecemos um caxeiro-viajante, Gregor Samsa, que um dia qualquer, acorda metamorfoseado em um inseto, semelhante a uma barata gigante. Qual seria a primeira preocupação se um de nós acordássemos transformados em um bicho? Eu, por exemplo, ia querer saber o que aconteceu e como eu faria para voltar a condição humana.
O primeiro pensamento de Samsa foi: vou me atrasar para o trabalho. Atire a primeira pedra o trabalhador que, ao acordar doente, não pensou: “Não posso adoecer essa semana?”, “Quem vai entregar a demanda X?”, “Como vou dizer isso ao meu chefe?”, “O que meus colegas vão pensar?”. Eu mesma já passei por isso algumas vezes. O sistema capitalista não só adoece o sujeito, mas faz com que ele puna a si próprio.
A história de Gregor Samsa poderia ser a de qualquer de nós. A metamorfose da personagem em inseto nada mais é do que uma metáfora para a alienação da condição humana, a opressão dos trabalhadores, o colapso das relações humanas, a hipocrisia e o parasitismo familiar.
A família era sustentada por Samsa. Ninguém se preocupou com ele, como estava se sentido, se precisava de um médico, de um abraço, de uma palavra de conforto. A questão era outra: E agora, Samsa?
Quando ele, com muita dificuldade, tenta sair do quarto, todos se assustam, inclusive o chefe, que estava na casa dele, dado o seu atraso para o trabalho. O pai não permite que Gregor saia do recinto tamanho o nojo que sentia ao vê-lo. Samsa é demitido e sua família o despreza.
A obra é, ainda, uma metáfora para o envelhecimento e a invalidez. Lembremos o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio: “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”. Dados do IBGCE mostram que a expectativa da população brasileira chegou aos 76,6. Vive-se cada vez mais e com qualidade. Há uma parcela (grande) da população, no entanto, que não aceita envelhecer, daí os estereótipos em relação ao idosos, o etarismo e a valorização exacerbada da juventude.
Lendo A Metamorfose (1915), não há como não pensar no filme ganhador do Oscar Parasita (2019), dirigido por Bong Joon-ho, em que toda a família de Ki-taek (Song Kang Ho) está desempregada e acaba bolando um plano para se infiltrar em uma família burguesa (Park) e usufruir de suas benesses. Contudo, no decorrer da narrativa, o telespectador já não sabe quem são os parasitas dessa narrativa: a família Ki-taek, ou a família Park. Na biologia, parasita é um ser que retira do outro os nutrientes necessários para sobreviver. Neste sentido, em A Metamorfose (1915), pai, mãe e irmã do protagonista são os que sugam a energia dele, sua força e sua saúde para subsistirem.
Interessante notar que o pai de Samsa, sempre com um ar exausto, compreendendo que o filho não os sustentaria mais, assume as rédeas da casa e se metamorfaseia em um homem alinhado, forte e enérgico. Já a irmã do protagonista (Greta), que a princípio se preocupava com sua situação, também vira-lhe as costas. Gregor passa a coexistir em meio a imundície e a escuridão afetiva.
Sua transformação física gera uma transformação nos sentimentos dos seus parentes. A desumanização do sujeito, a perda da identidade, a perda da dignidade humana acarretam a solidão e a exclusão social de Gregor. O sociológo Teodor Adorno tinha razão quando sentenciou: “A origem social do indivíduo (a família) revela-se no final como a força que o aniquila”.
A forma des (humana) em A Metamorfose (1915) em um primeiro momento está na aparência física de Gregor Samsa. O exterior se sobrepõe ao interior. Interessante por que Kafka o transformou em um inseto (barata). Por que não um gato? Ou um cachorro? Eles (e tantos outros) se tornaram companheiros afetivos do homem oferecendo amor, carinho e segurança. Diferentemente é a relação do homem com um inseto, em especial, as baratas, consideradas repulsivas em virtude do odor desagradável e o fato de transmitir doenças.
O desfecho da obra não oferece nada de muito surpreendente para o leitor O que acontece quando um inseto invade nosso espaço? Gregor Samsa morre de inanição. A morte aqui pode ser entendida como a não aceitação da exploração do homem pelo homem, ou o fim de um ciclo e o início de outro.
Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)
