Luciana Bessa*
O real foi o mote para a escritora cearense Socorro Acioli criar a ficção A Cabeça do Santo, publicada no ano de 2014, traduzida para o inglês e o francês e, que em breve, se tornará filme.
O projeto da criação de uma estátua de Santo Antônio teve início em 1984, no município de Caridade, aproximadamente 91km da capital Fortaleza. Na época, o prefeito, Raul Linhares, desejava tornar a cidade conhecida por meio do turismo religioso, tal qual a cidade vizinha, Canindé, que atrai anualmente cerca de 400 mil turistas. Contudo, em 1986, o projeto foi interrompido por falta de recursos. A cabeça [do santo] teria se tornado parte do muro da casa de nº25 do Conjunto Habitacional, onde moraria um dos engenheiros da obra.
A princípio, Socorro Acioli conheceu essa história por meio de uma matéria jornalística. Ao lê-la teve o insight para criação de sua narrativa marcada pelo realismo maravilhoso, uma linguagem fluida e envolvente, cheia de mistérios, humor, aventuras, falcatruas, crenças religiosas, disputas políticas e casamentos.
Após a leitura do recorte de um jornal, Socorro foi a Caridade conhecer de perto essa história. Munida de uma ideia e de um parágrafo em torno de dez linhas, Acioli foi para Cuba, para participar de uma oficina literária ministrada pelo Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, autor de Cem Anos de Solidão (1967).
Saindo do real, entramos na ficção: Samuel, a pedido mãe Mariinha, mesmo contrariado, resolve atender seu último pedido: acender três velas, aos pés de três santos, conhecer a avó e o pai que o abandonou ainda no ventre dela. O jovem parte de Juazeiro do Norte, a pé, e durante dezesseis dias, sofrendo as piores agruras, caminha para Candeia. Ao chegar, depare-se com uma cidade fantasma, vítima de um apagamento histórico, fruto de interesses políticos.
Samuel se abriga na cabeça de uma estátua e começa a escutar, sempre às cinco da manhã e às cinco da tarde, as orações que as mulheres faziam para Santo Antônio.
Samuel, conhece um garoto de 13 anos, Francisco, ficam amigos e este resolve ajudá-lo a explorar comercialmente seu “dom”. Os casamentos voltam a acontecer em Candeia, a cidade começa a ser tomada por fiéis de todas as partes do Brasil, a imprensa quer saber o que está acontecendo e quem é Samuel. Além disso, ele se apaixona por uma das vozes.
A Cabeça do Santo, além de uma leitura prazerosa, é uma aula de como a religião transforma e destrói vidas e cidades, de como o real se transforma em ficção potente, capaz de ultrapassar fronteiras nacionais e ganhar outros espaços, como as telas do cinema.
Sobre a autora:
Luciana Bessa
*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler