A cabeça do santo: uma história com mulheres fortes, muitos segredos e um final singelo

A leitura salvou minha vida. Salvou minha vida por me fazer sonhar, nunca parar de escrever, ousar, planejar, empreender (como diz meu querido amigo Boanerges Custódio) e, principalmente, imaginar.  

Ler é buscar novas ideias, histórias que nos tirem da poltrona, é ousar, sonhar, ver novos mundos, lugares e pessoas. Sofrer e se alegrar com essas pessoas e situações.

E foi com a vontade de buscar um mundo novo como se eu tivesse diante de mim a abertura de mil portas na minha mente e alma que li com avidez e uma incrível sensação de nordestinidade e cearensidade a partir da dica de minha nora de coração, Mairla Santos, e com espanto de felicidade o livro A cabeça do santo, da escritora cearense Socorro Acioli.

O livro nos leva à inusitada história de um jovem que sai de Juazeiro do Norte a partir de um pedido que sua mãe lhe faz pouco antes de falecer de que ele deveria acender três velas aos pés de três santos. Padre Cícero na colina do Horto na própria Juazeiro do Norte, Santo Antônio na fictícia cidade de Candeia e São Francisco, na cidade de Canindé.

O jovem Samuel se vê logo no início da história em meio a uma viagem de 16 dias, onde ele quase encontra a morte, mas consegue superar as adversidades e chega na cidade de seu destino em busca de sua avó e seu pai, que ele nunca conheceu e por quem nutre um profundo ódio.

Durante a caminhada por estradas áridas e um sol de rachar, Samuel enfrenta a fome, a sede e a solidão. Cansado e sem forças, ele chega à pequena e esquecida cidade de Candeia, um lugar dominado pela fé e pela pobreza. Lá, encontra uma enorme imagem inacabada de Santo Antônio, cuja cabeça oca está abandonada no alto de uma colina. Exausto, ele se abriga dentro da escultura para passar a noite.

É dentro da cabeça do santo que o fantástico acontece e Samuel começa a ouvir as preces das mulheres da cidade — especialmente as que rezam pedindo maridos, filhos ou alívio para suas dores. E uma mulher que canta uma bela música que ele não entende, mas o encanta. Sem entender o motivo, ele percebe que possui uma conexão sobrenatural com o santo e decide usar esse dom misterioso para ganhar um dinheirinho, mas termina mesmo é se metendo em muitas confusões. Arranja nesse caminho uma legião de adoradoras, amigos e inimigos que o querem morto. E embarca numa jornada em que passa a considerar o que ele mesmo seria.

A fama de que “o Santo voltou a fazer milagres” logo se espalha, e o povo volta a subir o morro para rezar e agradecer. Candeia revive, a fé renasce e Samuel se transforma — de um rapaz perdido em um homem com propósito. No entanto, conforme a história avança, segredos antigos e feridas familiares vêm à tona: ele descobre mais sobre seu pai, sobre o passado de sua mãe e sobre o próprio sentido da fé e do amor.

A narrativa mistura realismo mágico, religiosidade popular e crítica social, retratando o sertão nordestino com poesia, humor e um espaço para muitas intrigas. A autora explora temas como solidão, destino, fé, abandono, amores impossíveis, esperança e vingança, mostrando que até no lugar mais seco pode brotar um milagre.

Vou parar por aqui de falar do romance para falar das minhas impressões. A história nos é dada como um presente, pois ela destaca tudo do Cear: a comida, o jeito das falas dos personagens, os lugares, as brincadeiras, e o jeito nosso de viver e superar as dificuldades. São histórias de superação, de pobreza, de tristeza e de tragédia. Tudo se mistura. Cada personagem tem seu desenvolvimento que dá para compreender muito bem a posição de cada um na história. E isso é fácil e prazeroso de perceber. E tem de tudo nessa história: cenas de fantasia, de assombro, de comédia, da tristeza e amargura das pessoas, de gente boa e má, da religião como arma para controlar as pessoas. Mas tem um amor profundo. O amor das mães por seus filhos, das mulheres por seus maridos. A mulher tem destaque nessa obra. Elas são fortes, lindas, encantadoras, apaixonadas, mas podem ser também cruéis.

A crueza das decisões que as pessoas tomam por um motivo ou outro. O realismo fantástico mora no inusitado, na surpresa, em como cada situação que é verossímil, mas amplificada com toques de fantasia, da magia, de situações que nem esperamos e acontecem.

Isso se revela em personagens como Mariinha, Maria, Helenice, Madeinusa e Rosário.  

Um livro que fala ainda da política no interior e nos rincões do Brasil como bem conhecemos. De prefeitos e políticos larápios, corruptos e muito poderosos. Coisa que a gente ainda vê nos dias de hoje Brasil afora.

Enfim, uma história que nos revela a força das mulheres, que revela vários segredos guardados e uns bem horrorosos, e um final que achei singelo e romântico.

Um livro que nos dá gosto e orgulho de ter nascido nesse nosso chão. Por saber que no solo que pisamos tem uma escritora que nos leva a uma viagem tão interessante por esse universo sertanejo e tão cheio de magia e histórias que é o Ceará.

Sobre o autor:

Radialista, jornalista e escritor de crônicas e contos nas horas vagas. Já foi bancário, funcionário do Banco do Estado do Ceará e dirigente sindical bancário. Como profissional de imprensa já trabalhou em várias emissoras de rádio como Araripe, Educadora, Princesa, Tempo e Vale FM. Já trabalhou no jornal o Povo, como repórter e colunista e no Jornal do Cariri como editor. Atualmente é assessor sindical na área da comunicação e participa de projetos de incentivo à leitura nas comunidades e escolas. É também relações públicas na Câmara de Juazeiro do Norte e apresenta o jornal da 100 na Rádio 100 FM de Juazeiro do Norte. E de quebra, é o editor do jornal e site Leia Sempre Brasil. Está preparando seu primeiro livro. Aguardem!!!!