Luciana Bessa*
Quando adolescente, eu vivia “à espera de experiências extraordinárias” iguais às que eu lia nos livros: castelos medievais, ilhas desertas, jantares à luz de vela na Torre Eiffel, chuva de flores, amor eterno, pôr do sol na Toscana e até mesmo príncipe encantado.
Confesso que, em determinado momento da vida, fazer a distinção entre ficção e realidade, foi algo difícil, já que eu me questionava: por que o que acontece nas páginas dos livros não pode acontecer fora delas?
Nessa espera, algumas experiências extraordinárias foram acontecendo sem que eu ao menos me desse conta. A primeira delas foi que sendo filha de uma salgadeira, que trabalhava de sol a sol para sustentar sozinha três filhos, na década de 1990, consegui ingressar no curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Sou a primeira e única da minha família a me formar.
Conhecer a Literatura, conversar com autores ora do Brasil, ora de Portugal, ora da Espanha, me fizeram compreender que o mundo era bem maior do que eu supunha.
Cada semestre, uma descoberta. Cada livro lido, um panorama diferente da sociedade, como se cada autor tivesse em suas mãos uma câmera fotográfica e expusesse o mundo através de seu olhar. Sim, autores. Foram pouquíssimas as mulheres que tive contato no período da graduação.
No primeiro semestre, os homens brancos, formados em Direito e Medicina, preencheram as folhas do meu caderno. No segundo, ansiosa pela contribuição do gênero feminino no universo literário, timidamente perguntei à Ocineia: “professora, e as mulheres?”. E ela me respondeu que como muitas não tiveram acesso à educação formal, ou seja, foram privadas da caneta, do papel e dos livros, seriam poucas as que estudaríamos.
Paulatinamente, fui compreendendo que eu era uma privilegiada por adentrar no mundo acadêmico, o que muitas mulheres antes de mim foram impedidas, como é o caso da minha mãe e da mãe dela.
Nos anos 2000, quando fui admitida no doutorado em Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), eu já tinha consciência de estar vivendo uma experiência extraordinária, não só porque sou oriunda de uma família chefiada por uma mulher que tinha três bocas para sustentar, mas porque vivo em um país em que a educação não é uma prioridade.
Outra experiência extraordinária tem me orientado nos últimos três anos: a criação de um Blog Literário para disseminar a literatura, especialmente escrita por mulheres, da região Nordeste. Depois de ler vinte e um livros de escritoras nordestinadas, fui deixando de repetir a frase – “Não se nasce mulher, torna–se mulher” – da filósofa francesa Simone de Beauvoir e fui sentindo-a dentro de mim. Nós, mulheres, somos adestradas de tal forma a falar e a fazer o que os outros desejam, que chega um momento em nossas vidas que acreditamos no que falamos e fazemos. Sentir, é diferente. Leva tempo, exige ultrapassar pedras no caminho, resiliência e maturidade.
Eu sei que “à espera de experiências extraordinárias”, eu vivi experiências extraordinárias sem ao menos saber de que se tratavam experiências extraordinárias. Mas preciso confessar: ainda me pergunto se o que acontece nas páginas dos livros não poderia acontecer fora delas.
Sobre a autora:
Luciana Bessa
*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler