Luciana Bessa
O gosto pelas narrativas insólitas é tão antigo quanto a própria humanidade. Mesmo quando o homem não dominava essa técnica, tampouco a escrita, ele possuía a arte de contar histórias e, assim, muitas foram criadas, imaginadas e passadas de geração em geração. Há uma névoa que envolve o surgimento do fantástico, que ao longo dos séculos tem sido enriquecido pelo clima de mistério, de misticismo, pelas criaturas mitológicas, pela ficção científica, sobretudo os estados de espírito do homem que tem se modificado ao longo das décadas. É importante frisar que esse tipo de literatura sempre esteve relacionada aos elementos simbólicos que envolvem o homem e o espaço no qual ele está inserido.
O que vem a ser a literatura fantástica? Nesse tipo de texto, ocorre um evento sobrenatural em meio a um cenário familiar e verossímil. A vida cotidiana ocorre na sua normalidade, quando de repente algo inusitado e extraordinário acontece colocando as personagens em um impasse racional. A partir deste instante, elaboram-se conjecturas racionais para explicar um evento irracional que nunca chega a ser comprovado. Em outras palavras, na narrativa fantástica as personagens encontram-se um permanente estado de incerteza diante de fenômenos meta-empíricos que cruzam suas vidas.
O mineiro Murilo Eugênio Rubião fez a opção pelo fantástico a partir da herança de suas intermináveis leituras de infância: contos de fadas, Dom Quixote e Mil e uma Noites. Em suas entrevistas ele costumava afirmar que era um sujeito que acreditava no que estava para além da rotina. Não se espantava com o sobrenatural, tampouco com o mágico. Acreditava no mistério das coisas.
Sua estreia na literatura deu-se anos antes do “boom da literatura latino-americana”, fenômeno dos anos 60. A obra intitulou-se O Ex-Mágico(1947). Em nossas letras, apenas em 1959 outro expoente do gênero fantástico aparecerá – trata-se do goiano José J. Veiga com a obra Os Cavalinhos Platiplanto(1959).
A obra muriliana, desconhecida do grande público por aproximadamente três décadas, saiu do limbo com a reedição do seu livro O Pirotécnico Zacarias (1974). Na atualidade, com o apogeu do gênero fantástico através das letras hispano-americanas – é o caso de Gabriel Garcia Marques, Borges, Cortázar – e, no Brasil, Lygia Fagundes Telles e Moacyr Scliar – é um dos autores mais referenciados dessa seara.
Influenciado por Machado de Assis e de estilo preciso, Rubião é um escritor que caminha por regiões que oscilam entre a fantasia e a realidade. Clara, objetiva e precisa é a escrita de Murilo Rubião – um mágico que trabalha, paulatinamente, a linguagem para criar enredos desconcertantes capazes de levar o leitor a questionar o que é possível e o que não é possível.
De modo geral, as narrativas insólitas fazem parte da vida do homem desde a Antiguidade e o põem em contato com um mundo desconhecido, inverossímil e irreal. Trata-se de uma forma de confrontá-lo com acontecimentos e medos que estão dentro de si, mas adormecidos. O fantástico, mais do que uma leitura de entretenimento, é um artifício para tratar dos problemas da nossa sociedade.
Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)