Por Shirley Pinheiro
Em O Conto Brasileiro Contemporâneo (2015), Alfredo Bosi define a escrita de Rubem Fonseca como brutalista, caracterizada pela violência e pela solidão de sujeitos vítimas do capitalismo selvagem e das novas formas de opressão. Nas palavras do crítico, “a sociedade de consumo é, a um só tempo, sofisticada e bárbara, imagem do caos e da agonia de valores que a tecnocracia produz num país de terceiro mundo é a narrativa brutalista de Rubem Fonseca que arranca a sua fala direta e indiretamente as experiências da burguesia carioca […]. A dicção que se faz no interior desse mundo é rápida, às vezes compulsiva; impura, se não obscena; direta, tocando o gestual; dissonante, quase ruído”.
Dono de uma obra ultrarrealista, Rubem Fonseca foi profético ao descrever a violência das cidades grandes, que se intensificava com o passar dos anos. Em 1994, no conto A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro, Fonseca, na voz do protagonista Augusto, declara que “a gente começa matando um rato, depois mata um ladrão, depois um judeu, depois uma criança da vizinhança com a cabeça grande, depois uma criança da nossa família com a cabeça grande”. Quase três décadas depois, numa época em que a violência é influenciada pelo próprio presidente em vigor e vendida como discurso político, é impossível não lembrar de quando Renato Russo ironizou que “a violência é tão fascinante”, enquanto tomamos nosso café da manhã ouvindo notícias de que um funcionário de lanchonete precisou retirar um dos rins e parte do intestino em cirurgia após ser baleado por um sargento do corpo de bombeiros, por causa de um cupom de desconto; de crianças indígenas violentadas e assassinadas por garimpeiros; de mulheres agredidas por seus parceiros; uma senhora de 89 anos vivendo em situação análoga à escravidão, e muitas outras de embrulhar o estômago, que em “nossas vidas são tão normais”, como cantou Russo.
Nascido em 11 de maio de 1925, em Juiz de Fora (MG), Rubem Fonseca é considerado um dos maiores ficcionistas do Brasil. Formado em Direito pela Universidade do Brasil (hoje Universidade do Rio de Janeiro), por seis meses atuou como policial no distrito de São Cristóvão, enquanto não podia prestar concurso para ser juiz, por conta de sua recente formação. Embora curto, o período como policial o marcou profundamente e está presente em toda a sua obra.
Rubem Fonseca é precursor da literatura policial nacional e colocou nas páginas das suas histórias toda a sua experiência no submundo do crime, da violência e das desigualdades. Sua estréia foi em 1963, com o livro de contos Os Prisioneiros, e desde então não parou mais, sua última publicação foi Carne Crua, em 2018, aos 94 anos, uma obra que, assim como título, carrega a crueza da escrita de Rubem Fonseca em narrar a realidade brasileira.
Seis vezes vencedor do Prêmio Jabuti pelos livros Lúcia McCartney (1969), A Grande Arte (1983), O Buraco na Parede (1995), Secreções, Excreções e Desatinos (2001), Pequenas Criaturas (2002), Amálgama (2014), e do Prêmio Camões em 2003, Zé Rubem, como é conhecido entre os amigos e leitores mais apaixonados, é uma inspiração para os escritores que vieram depois dele e influência até para aqueles que não o leram, uma vez que fomentou a escrita investigativa nacional. Estes, convenhamos, não sabem o que estão perdendo.
REFERÊNCIAS:
BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2015.
FONSECA, Rubem. A arte de andar pelas ruas do Rio de Janeiro. In: Contos Reunidos. Organização: Boris Schnaiderman. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.