Ludimilla Barreira*
Quando ele tocou a campainha da minha casa, suas malas prontas o esperavam para partir. Mas outras caixas deveriam ser lacradas para que o início da viagem fosse tranquilo e sem o peso de sentimentos não resolvidos. Ele não precisava de muita bagagem; excessos nunca são permitidos. Seriam apenas dois anos, afinal. Naquele tempo, eu tinha a sensação de uma longa jordana e muito tempo disponível pela frente, a vida estava apenas começando, por isso, acreditei que era mais um encontro de muitos que viriam. Não entendi a seriedade da despedida.
Não tínhamos uma grande diferença de idade; três anos não são quase nada. Erámos da mesma geração, até poderíamos ter cruzado pelos corredores do ensino médio. Mas o peso da responsabilidade sempre foi mais relativizado por mim. Para ele, os momentos comigo tinham um ar cerimonial, ele dava uma importância maior ao que se relacionava a mim, mas entendi o que significava apenas anos depois.
Recordo meu ar de indiferença, um olhar lateral em um rosto frio e com a boca cerrada. Não houve troca de calor. Me faltou afeto, mas em minha defesa, a imaturidade não me deixou perceber a seriedade da visita. Na verdade, não entendia o motivo; não percebi os sinais. Culpa minha? Talvez. Me sentia desprovida de importância, não estava acostumada a tanto respeito.
Sentados de frente um para o outro, ele me perguntou o que tínhamos. Não estava preparada, me apeguei ao que seria mais fácil. Respondi que não tínhamos nada. Nada. Foi uma resposta simplista e vazia: para completar, ainda dei de ombros. Não me recordo a expressão no seu rosto quando ouviu essas palavras. Talvez ele tenha respondido: “Maravilha. Era isso mesmo que eu esperava”.
Minha resposta não passava de uma grande mentira. Eu sentia tudo. Tudo que eu entendia ser possível sentir por alguém e possivelmente mais alguma sensação que eu não saberia o nome, mas me inundava quando estávamos juntos. Ele me amparava. Ele me enxergava. Ele cuidava de mim. Não havia lugar mais quente e aconchegante do que o seu abraço. Era como se aconchegar em cobertas macias em dias frios, além de parecerem escudos que me blindavam.
Nos abraçamos brevemente. Nos despedimos como amigos. Não me perdoo por não ter aproveitado cada segundo daquele abraço, mas lembro que pensei em não o soltar. Desejei bons estudos e uma permanência tranquila em seu destino pelos próximos dois anos, confiei que passariam rápido e que, em breve, estaríamos nos abraçando novamente.
O peso de ter falado que não tínhamos nada não o acompanhou, talvez por um tempo tenha sido difícil, mas eu tinha deixado claro que cada um poderia seguir a sua vida. Por fim, não tínhamos nada. Mas o que não foi peso para ele manteve-se presente nos meus dias durante os longos dois anos.
Não vivíamos com o apoio das redes sociais, qualquer novidade precisávamos contar um ao outro por carta ou telefone. Pela distância e, talvez pela resposta, viramos estranhos. Perdi meu confidente e conselheiro. Eu era apenas uma matéria que boiava no meio de outros corpos, mas não me conectava a nada. Não enxergava sentido. Tudo era vazio. Ninguém seria como ele.
Ao final dos dois anos, recebi a notícia de um noivado através de uma ligação inesperada. Foi uma comunicação curta e seca. Mais uma vez não elaborei uma reação complexa, acreditei que nem daria tempo ou seria capaz de mudar o rumo. Chorei, me descabelei, me tranquilizei, me fechei. Sofri longos anos em silêncio, eu tinha espaço apenas para os meus questionamentos. Outra resposta teria mudado tudo?
Vivi inconsequentemente por um longo período. Cada vez que me telefone tocava eu sonhei que aquela voz falaria meu nome mais uma vez, mas isso nunca mais aconteceu. Me tornei alguém que nem eu mesma gostava, apenas existia fechada dentro das paredes que construí. Tratava qualquer um com a mesma frieza do dia em que disse: ‘Não temos nada’.
Com o tempo, percebi que precisava ser aquela pessoa capaz de fazer alguém me adorar genuinamente. Melhorei, alguns diriam que amadureci, deixei de ser minha própria carcereira; passei a cuidar do meu templo e fiz renascer um jardim de bons sentimentos. Ele não voltaria, mas eu merecia estar bem dentro de mim.
Sobre a autora:
Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.