Luciana Bessa
Telegrafista, guarda-livros, contador, funcionário do cartório do pai (Onofre Mendes) e professor de francês, o mineiro Murilo Mendes se tornaria, na década de 1930, um dos poetas mais significativos da Segunda Geração do Modernismo.
O que o levou à Poesia? A passagem do Cometa Halley, na madrugada do ano de 1910. Assim como seu conterrâneo, o poeta gauche Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Murilo acreditava que o planeta explodiria com o impacto da cauda do indesejado viajante.
O cometa passou, a terra não explodiu, Drummond continuou frequentando as aulas de aritmética, as missas aos domingos e obedecendo aos mais velhos, como nos conta na crônica Fim do Mundo. Já Murilo Mendes, nascido em 13 de maio de 1901, passou a estudar literatura e poesia entre os anos de 1912 e 1915. Ao completar 16 anos de idade, fora mandado para um colégio interno, Santa Rosa, no Rio de Janeiro. No entanto, resolveu fugir desse ambiente autoritário para assistir a dois espetáculos de dança de Serguei Diaghilev, fundador dos Ballets Russes, e de Wacław Niżyński, bailarino e coreógrafo, considerado “o deus da dança”.
Após a passagem de um Cometa que não o matou, depois de ter sido seduzido pela dança e pela música de Amadeus Mozart, Murilo Mendes recusou-se a regressar à escola. Fascinado pelas criações do compositor austríaco, ao saber que a cidade natal dele, Salzburgo, havia sido bombardeada pela Alemanha nazista, imediatamente telegrafou para Adolf Hitler: “Em nome de Wolfang Amadeus Mozart, protesto contra a ocupação de Salzburgo”.
O Visionário, em alusão à sua obra, Murilo Mendes, concebeu mais de vinte e cinco livros, em prosa e verso. A estreia acontece com Poemas (1930), ganhador do Prêmio de Poesia da Fundação Graça Aranha, no ano seguinte. A obra, composta por sessenta e cinco textos, encontra-se dividida em seis momentos: 1) O jogador do Diabolô (14 poemas), 2) Ângulos (16 poemas), 3) Máquina de sofrer (9 poemas), 4) O mundo inimigo (8 poemas), 5) A cabeça decotada (6 poemas), 6) Poemas sem tempo (10 poemas), além de um “apêndice” com três outros textos do escritor.
Segundo o pernambucano Manuel Bandeira, Murilo Mendes foi, talvez, “o mais complexo, o mais estranho e, seguramente, o mais fecundo poeta” da geração modernista de 30, cuja rebeldia na forma, versos livres, versos brancos, versos regulares, e a linguagem elevada, afastou alguns leitores por considerar sua poesia difícil.
O humor, o nacionalismo, o sarcasmo de sua obra de estreia, seguida de Bumba-Meu-Poeta (1931) e História do Brasil (1932), que dialogam com a música e as artes plásticas, mostram um Murilo proseando com as vanguardas europeias, retratando questões típicos brasileiras-mineiras, adotando em algumas ocasiões, como no poema Canção do Exílio, uma concepção paródica da linguagem.
A morte prematura do amigo Ismael Nery (1900-1934), pintor, desenhista e poeta, autor de Autorretrato (1927), fez com que Murilo Mendes se convertesse no catolicismo e desse vazão a uma poesia Espiritualista – centrada no poeta e em sua relação com o mundo sensível. Por se tratar de uma poesia mística e de reflexão mais abstrata e sentimental, trabalhou questões filosóficas, emocionais, espirituais e religiosas. Murilo, que se sentia “O braço desgarrado de uma constelação” (Espiritual), produziu com o príncipe dos poetas alagoanos, Jorge Lima (1893-1953), a obra Tempo e eternidade (1935), dedicada ao amigo “Ismael Nery – na eternidade”.
A vocação poética de Murilo Mendes o fez conhecer o Sanatório Boa Vista, no Rio de Janeiro, vítima de uma tuberculose, além da Espanha, Itália, Bruxelas, Paris etc. Vítima de problemas cardíacos, faleceu em Lisboa, no ano de 1975, não antes de imaginar que “Nossas flores são mais bonitas / nossas frutas mais gostosas” (Canção do Exílio), que “Há noites intransponíveis (Angústia e Reação), e que, por ser “olhar que penetra nas camadas do mundo” (Cantiga de Malazarte), estava coberto de razão: “não estamos habituados com o mundo” (Reflexão nº 01).