Shirley Pinheiro*
Acho que já estou com idade para casar.
Pelo menos é o que têm me dito as pessoas que passam por mim. Algumas eu conheço, outras já ouvi falar, a maioria só sabe que eu sou filha de sicrano, neta de fulana de tal, parenta de não sei quem. Todas com a mesma dúvida: quando é que você vai casar?
Sendo bem sincera, é sim uma pergunta que me irrita. Não só pelo caráter invasivo (por que as pessoas se acham no direito de questionar a vida pessoal de alguém que nem conhecem?), mas também pelo caráter opressor (nós mulheres somos constantemente submetidas a essa pergunta, enquanto os homens permanecem isentos).
Mas eis que dou meu veredito: não quero casar. E é aí que as coisas ficam divertidas, pois é chegado o momento em que os olhares transmitem a verdade por trás das palavras de concordância e, enquanto as bocas dizem: tá certa, pra quê casar hoje em dia?, os olhos (de julgamento/pena) dizem (em tradução livre): a bichinha, não vai ter que passar o resto da vida lavando cueca de um macho folgado ou então uma moça tão jovem e já não quer ter um esposo para cuidar, servir e mandar nela, o que vai ser da vida dela?
**É claro que todas as palavras escritas aqui são para ironizar as situações que tenho vivenciado com frequência desnecessária. Não sou contra nem a favor do casamento, também não julgo as mulheres que optam por isso. Pelo contrário, aqui prezamos o livre arbítrio. Esse texto é nada mais, nada menos que uma transcrição/desabafo das reflexões que tive recentemente com o aumento da importunação acerca do meu estado civil, somando-se ao fato de que eu não conheço um casamento que eu possa considerar bem sucedido.
O fato é que a questão do marido sempre foi uma cobrança recorrente na minha vida. Lembro que quando eu era criança, as brincadeiras de boneca e casinha nunca foram muito atrativas para mim, mas quando juntavam todas as meninas, se quisesse ser incluída, eu tinha que ser a mãe de uma boneca. E, ao contrário das filhas das minhas primas, cujos pais eram viajantes ou estavam sempre trabalhando para lhes dar conforto, a minha filha, coitada, era adotada e só tinha a mãe: eu, uma solteirona.
Foi numa dessas brincadeiras que eu falei pela primeira vez que não iria casar. Os adultos então me deram duas opções: vai ser freira ou vai ser moça velha? O primeiro eu já sabia o que era, mas o segundo tive que perguntar. A explicação: que vai morrer sozinha. Não gostei de nenhuma das duas opções e adicionei a minha: vou ser rica (plot twist? Virei professora).
E, mais de vinte anos depois, a certeza de que nunca terei um marido não poderia ser mais concreta. À medida que envelheço, menos atraída eu me sinto ao conceito de casamento heteronormativo, pautado nos ideais cristãos, e muito menos ao papel social que ele exerce. Mas, aparentemente, quanto mais eu nego, mais sou cobrada.
E de fato, às vezes me sinto em um mundo paralelo. Enquanto planejo fazer minha primeira tatuagem, minha melhor amiga se muda para um apartamento com o namorado. Enquanto organizo a minha primeira viagem à Fortaleza para ver Deus (vulgo Maria Bethânia), uma ex-colega realiza sua despedida de solteira. Enquanto escrevo esse texto, minha prima coloca seu filho de três anos para dormir. E, pouco a pouco o meu círculo social vai se preenchendo de pessoas casadas, com as vidas familiares encaminhadas. E o meu conflito começa quando acredito que eu deveria estar com inveja dessas mulheres e de suas famílias, quando na verdade estou aliviada por me distanciar dessas “realizações”.
Não tem jeito dessa sociedade patriarcal não nos adoecer. Mesmo eu, cujos ideais de sucesso são “liberdade e independência”, não consigo me desvencilhar da pressão relacionada ao casamento, imposta principalmente a nós mulheres. Às vezes é simplesmente muito cansativo ser obrigada a explicar que eu não quero casar, que esse não é o meu sonho. Agora que eu terminei minha primeira graduação. Agora que consegui meu primeiro emprego. Agora que eu entendi quem eu sou. Agora que estou conquistando a minha liberdade e já querem me aprisionar pelo resto da vida a um homem?
Não, obrigada!
Sobre a autora:
Shirley Pinheiro
*Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri.