Ludimilla Barreira*
Conheci o livro Eu matei Sherazade, escrito por Joumana Haddad, por sugestão do “Clube de Leitura Entre Livros e Afetos”. Inicialmente, pelo título, acreditei piamente que o livro seria um suspense com muita investigação e teorias sobre a morte de uma personagem icônica. Afinal, até o leitor que se conforma com bula de remédio já ouviu falar de Sherazade e “As mil e uma noites”. Cometi um erro de principiante: o velho “julgar o livro pela capa”, mas, no meu caso, foi pelo título.
Comecei de forma despretensiosa a minha leitura, sem me preparar para as reflexões para as quais fui arremessada. Felizmente, fui surpreendida. Há pouco tempo, fui tomada por uma necessidade de ler mulheres que trazem às suas próprias experiências como pano de fundo do que produzem. Estou mais do que nunca lendo sobre gênero, cultura e sociedade, por isso, acredito que foi um encontro do destino ter recebido essa indicação.
E conhecer Joumana Haddad foi um grande presente. Ela conseguiu me encantar pela sua escrita e as histórias de sua própria formação como leitora, escritora e fundadora de uma revista, a Jasad. Nas primeiras páginas, a autora deixa claro que o texto se desenvolve na tentativa de responder a uma repórter ocidental “o que é ser uma mulher árabe”. Temos uma resposta irritada e arisca, que nos faz perceber nuances às quais eu era totalmente alheia.
Mas, de que tipo ela seria? Diferente de mim e de você, caro leitor. Como ela frisa: “somos todos diferentes porque todos os seres humanos da face da Terra são diferentes entre si”. Portanto, nas páginas seguintes ela tenta mostrar o que significa ser uma mulher hoje. Não precisamos esmiuçar as diferenças óbvias de uma cultura para outra, até porque seria assunto para uma produção acadêmica, talvez. Nesse momento quero frisar o dado mais importante que assimilei com as reflexões trazidas, que me deixaram profundamente preocupada e triste.
Consumimos a ideia de que o mundo árabe é farto de restrições para crianças e mulheres, principalmente no que diz respeito às liberdades, sendo elas individuais ou civis, por isso, transparece a ideia de local violento, somado às problemáticas econômica e social. Por fim, ainda há o permanente estado de alarme motivados pelos conflitos existentes em outros países e que se estendem pelas nações próximas, como ocorre nos ataques entre Israel – Gaza que se prolongam em outros países, como Irã e Líbano, este últimos o país de origem da autora.
Porém, meu maior susto foi perceber que muitas das palavras colocadas se encaixam perfeitamente para nós, mulheres brasileiras. Entre tantas outras constatações, ela também nos apresenta a crescente do “obscurantismo”, que escala cada vez mais rápido contra a “liberdade, criatividade e beleza”, criando situações para desinformar a população através da modulação de situações ou problemas, criando um contexto falso que leva as pessoas a se posicionarem ou tomarem decisões equivocadas. Nada diferente do que acontece no Brasil.
Mas, mesmo assim, não dá vontade de largar o livro e chorar. Somos arrebatados pela trajetória literária da autora, quando ela nos fala do Marquês de Sade, Simone de Beauvoir, Vladmir Nabokov, Mary Shelley e tantos outros autores árabes, como Khalid Said, Fadwa Touqan e Nawal El Saadawi. Fui tocada pelas citações no início de cada capítulo, por isso, adquiri A mulher com olhos de fogo – O despertar feminista, que entra nas prioridades na minha infinita lista de leituras.
Termino minhas palavras sobre esse livro com uma enorme vontade de ler as poesias de Joumana Haddad, ainda não traduzidas para o português. Ela nos presenteia com uma pequena manifestação no último capítulo, nos mostrando que apesar das diferenças, há grandes semelhanças na construção do ser mulher, independente de estarmos no Ocidente ou no Oriente.
Sobre a autora:
Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.