Ludimilla Barreira*
Era mais um almoço com os colegas de trabalho, daqueles que ela se obriga a ir para socializar melhor com a equipe. Na verdade, sua maior vontade era sentar-se sozinha e comer em silêncio. Mas, como a comida era muito convidativa, recebeu bem a insistência da colega.
Enquanto escutava mais uma piada sem graça, percebeu de relance um olhar depositado em sua direção. Não teve coragem de encarar seu observador; distraiu-se com a conversa da mesa e abstraiu.
Mas outra pessoa percebeu e comentou: “Aquele homem olha para você desde que se sentou na mesa ao lado. Você o conhece?”
A amiga inclinou-se discretamente a cabeça e falou quase sussurrando que era o de cabelo escuro e óculos de grau. Ela arregalou os olhos e sorriu com o canto da boca. Achou melhor não olhar. Podia ser algum primo de milésimo grau, meio chato.
Era uma sexta-feira, daquelas em que todos usam roupas casuais e esticam o horário do almoço para combinar o happy hour. Ela não estava muito no clima, mas fingia animação. Timidamente, ria de algumas trocas que deixavam claro o mormaço que existia entre alguns colegas. Ela gostava; era interessante acompanhar as evoluções amorosas dos outros, logo que sua vida não estava das mais movimentadas.
Um pouco envergonhada por sentir o peso daqueles olhos amassando o seu corpo, ocupando seu íntimo, olhou furtivamente na direção de seu invasor. Não entendeu o que viu ou, talvez, não acreditou. Parou, decidida a fixar o olhar. Deixou a bolsa cair do ombro. Olhou fixamente e, mesmo assim, e não disfarçou a perplexidade.
Ele correspondeu com uma expressão admirada, como se estivesse diante de uma entidade. Era incrível. Era uma cidade com milhões de habitantes. Não era possível. Permaneceram com as bocas inertes. Ele apenas mexia aqueles olhos estreitos e curiosos, que percorriam toda a extensão do território dela.
De pé, arrumou a bolsa no ombro e apressou o passo para a saída. Uma fila interminável no caixa a prendeu por alguns minutos, não apenas naquele espaço físico, mas também nas memórias da última vez em que tinha visto aquele rosto. Suas sobrancelhas denunciavam os questionamentos que eram arremessados de um lado para outro da sua cabeça. Ansiava sair dali. Queria paz para pensar e, talvez, lembrar aqueles últimos instantes vividos vinte anos antes.
O-B-V-I-A-M-E-N-T-E, ela não fez nada durante toda a tarde. Nada relacionado ao trabalho. Às vezes, rolava a caneta na mesa; às vezes, o dedo pela tela do celular. Pensou em consultar o nome dele na internet. Se autocensurou. Era melhor não mexer no que já tinha perdido o prazo de validade. Convenceu-se de que o melhor era esquecer. Tentou se distrair com as obrigações. Levantou-se para tomar café. Fixou o olhar na parede branca e se permitiu abrir a caixa dos seus pensamentos. Assim, mergulhou nas últimas palavras que trocaram na despedida.
Foi ao supermercado depois do trabalho. Andava pelos corredores sem saber o que procurava. Lia rótulos enquanto pensava que, se ele estava no restaurante a um quarteirão do seu trabalho, também frequentava o mesmo supermercado. Era tudo inacreditável.
Enquanto voltava para casa, se culpou por não ter falado nada. Afinal, se foi obra do acaso, jamais se encontrariam novamente. Achou engraçado o fato de o “reencontro” ocorrer no mesmo bairro em que se conheceram. Era obra do destino; não se repetiria.
Se apressou para ver algumas fotos. Era o que tinha de mais palpável. Queria aproveitar que agora não estava presa apenas às memórias de um passado distante. Tinha uma lembrança recente para comparar as mudanças. Enquanto mexia em suas caixas de recordações, leu cartas e chorou vendo as fotos. Refletiu que, se ele estava diferente, ela também não era mais a mesma jovem.
Sentada no chão de sua casa, olhou para as paredes e lembrou-se de tudo que vivia naquele momento. Estava casada e tinha uma vida tranquila. Naquele final de semana, viajaria com o companheiro para seu hotel preferido na Serra. Comemorariam os dez anos de casados.
Com o pensamento no presente, levantou-se do chão como quem ressuscita. Tinha uma vida e precisava estar com o corpo e mente no agora para vivê-la.
Nos dias seguintes, não lembrou da troca de olhares no restaurante. Evitou os convites para retornar ao local e focou nas suas atividades cotidianas, como se tivesse um carcereiro à sua espreita evitando que desviasse sua energia do que realmente era necessário.
Um mês depois daquela experiência, acreditou que estava curada do susto. Percebeu que os colegas almoçariam em outro local. Por isso, resolveu ir sozinha ao restaurante, pois acreditava que não se repetiria. Seria impossível acontecer novamente. Foi apenas uma coincidência.
Enquanto caminhava distraída até a porta, levantou o rosto para abri-la. Os primeiros olhos que ela encarou foram aqueles estreitos e curiosos por trás dos óculos.
Ele se apressou e, com um sorriso largo enquanto abria a porta, falou: “Esperei você voltar por todos esses dias. Entre”.
Sobre a autora:
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Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.