Shirley Pinheiro
“Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco…
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro…
Eu sei… O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro…
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela.”
Quando pensamos em Romantismo, não importa o grau de comprometimento com a Literatura, a primeira coisa que nos vem à mente é o amor. Mas em termos mais “técnicos”, o Romantismo foi um movimento que valorizava o exagero do sentimento, o subjetivismo e o nacionalismo. Em contraposição à formalidade do Classicismo, os escritores românticos se debruçaram sobre um novo jeito de fazer arte, com liberdade de temas e formas.
E quanto mais íntimos do movimento, mais percebemos suas características na obra dos autores que se destacaram no período. José de Alencar, por exemplo, considerado um dos fundadores do Romantismo nacional, pinta com as palavras, as paisagens do Brasil, construindo a imagem nacionalista do país, que caracteriza a primeira fase romântica.
Já na segunda fase, o Ultrarromantismo, evidenciam-se autores cuja melancolia era a principal fonte de inspiração. Morrer por amor ou a dor de viver eram os ideais da época. E nessa linha destaca-se Álvares de Azevedo, um dos maiores escritores não só do período, mas também da nossa história literária.
Nascido em 12 de setembro de 1831, na capital paulista, cinco anos antes do poeta Gonçalves Magalhães inaugurar o Romantismo no Brasil, Álvares de Azevedo teve uma breve vida. O poeta, que já cresceu com tendências românticas, dizia que era preciso sofrer com as paixões, chorar de amores impossíveis, desiludir-se e morrer jovem. E jovem ele morreu, aos vinte anos, depois que sofreu uma queda de cavalo, que resultou no aparecimento de um tumor na fossa ilíaca, agravado por uma tuberculose pulmonar.
Curiosamente, cerca de um mês antes de sua morte, Álvares de Azevedo escreveu aquele que viria a ser um dos seus mais belos poemas, lido na ocasião do seu enterro: Se eu morresse amanhã.
“Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã…
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!”
Apesar do curto período de produção, Álvares de Azevedo é dono de uma extensa e relevante obra, boa parte publicada postumamente, que se destacam Lira dos Vinte Anos (1853) e Noite na Taverna (1855). Muito inspirado pela obra do escritor britânico Lord Byron, os escritos de Azevedo abordam a morte, dor, enfermidade, desilusão amorosa e frustração, sempre reveladas em tom de ironia e sarcasmo.
Álvares de Azevedo foi poeta, dramaturgo, ensaísta, contista e tradutor. Patrono da cadeira n°2 da Academia Brasileira de Letras (ABL), atualmente figura o cânone literário da poesia brasileira.