As árvores da minha infância

Dina Melo

Eu morava num sítio, a vida passava devagar. Devagar eu me punha a olhar as árvores, as flores, a estrada, as formigas, a terra. O curral, as vacas que viravam mães, os carros de boi carregados de cana, os trabalhadores com suas enxadas nos ombros, as mulheres com os potes de água na cabeça, os ninhos de pássaro nos pés de café, os casulos pendurados nas árvores.

Via os cafezais, os pés de maracujá, de seriguela, de tangerina, os abacateiros, as laranjeiras, as mangueiras, as jaqueiras, as bananeiras, as goiabeiras, os canaviais. Ah, as árvores da minha infância foram muitas e diversas. Nelas eu brincava de mãe, de filha, de professora.

As árvores ouviam meus risos, meus gritos, meus prantos. Também sentiam meus abraços, meus carinhos. Eu gostava de passar a mão nos troncos, sentir as cascas rugosas ou as peles macias. Sentava nas raízes, nos galhos. Tirava as folhas, observava as nervuras, as formas, os tons de verde. Gostava de pisar nas folhas secas amontoadas para ouvir os estalos.

Eu também comia suas frutas, mas não muito. Pra mim bastava me alimentar de fantasias, de brincadeiras, de vento nos cabelos. As preferidas, no entanto, eram as tangerinas, as laranjas, as goiabas, os abacates e as seriguelas. O perfume das tangerinas e das laranjas até hoje me inebria. Que delícia sentir o cheiro das cascas nas pontas dos dedos. Ah, e o sabor irresistível das goiabas de vez! Era morder e sentir a alma suspirar!

A época das seriguelas era a melhor de todas. A gente tinha de aproveitar intensamente, pois a safra é curta. Ou parece ser curta para tanto sabor. Nos fins de semana, ao acordar, a primeira coisa era comer seriguela no pé. Subia, ficava no alto balançando as pernas, sentindo a alegria da vida na boca.

Muitas outras foram chegando ao longo do tempo, aroeiras, jatobás, ipês, jacarandás, flamboyants, algarobas, sem nome, presenças calorosas que enchem um mundo.

Hoje as árvores ainda ouvem meus risos e meus prantos. E andar no mato é receita pra quase tudo, relaxar, alegrar, sentir o sangue circulando no corpo, a sensação inebriante de estar viva.

Recentemente, numa meditação, me veio a imagem de que eu era uma mulher-árvore, numa imensa floresta, com as raízes entrelaçadas e de mãos dadas com as demais, minhas irmãs espirituais.

E tudo fez sentido pra mim, uma mata de mulheres-árvores, frondosas, juntas, fortes, se erguendo acima de tudo e alimentando a vida.

Sobre a autora:

*Amante das árvores, das nuvens, do vento, das águas e do som das palavras. Pés no chão, cabeça nas estrelas, sol em Touro e lua em Gêmeos. Herdou a força e a ligação com a Terra das suas ancestrais Tabajaras da Serra da Ibiapaba. Estudou Direito na UFC e é servidora do TRT Ceará.