
Luciana Bessa
Algumas leituras são desafiadoras. É o caso da A Casa do Sentido Vermelho (2013), da escritora Jorgeana Braga, prêmio Aluísio de Azevedo no 34º Concurso Literário e Artístico da cidade natal da autora, São Luís do Maranhão.
A obra começa com uma apresentação-pergunta do poeta Dyl Pires: “Qual o sentido do sensível em nós?”. Antes mesmo de continuar a leitura, silenciosamente busquei a resposta dentro de mim. Cedo me tornei amante das artes literárias, em especial, a literatura. Ela me salvou de um ambiente tóxico e pobre, material e emocionalmente. O sensível me forjou na mulher que me tornei hoje. Em uma sociedade individualista, capitalista marcada pelo cansaço e pela positividade tóxica, onde parte das pessoas vivem com a cabeça enterrada em seus celulares, ser sensível consigo e com o outro se tornou um ato revolucionário.
A obra, com pouco mais de oitenta páginas, é um convite a um olhar sensível aos personagens que integram a narrativa: Charlote, o poeta, Raná, Ariel, Pedra, Nod e Dadá, que vivem entre a pulsão de vida e a pulsão de morte.
Dyl Pires, para quem a obra é dedicada, com outras cinco pessoas, Catarina Santiago, Ana Gisele, Gilberto Goiabeira, Ricardo Leão e Rose Viana, afirma que estamos diante de uma narrativa, ou melhor, um conjunto de memórias “de sensações que se entrecruzam para tocar a vida na vertigem (…)”. Ainda para o artista, “A casa do sentido vermelho é uma história de amor”. Mas logo ele esclarece que não se trata do “amor cosmético/fastfood, nem àquele que alça tragicamente a dor que o consome”. O vermelho aqui é a representação não só do sentimento amoroso, mas do erotismo, da luxúria, do sangue e da morte.
A narradora é uma voz memorialística que, no tempo presente, parece escrever uma longa carta à Charlote, para não deixar se esvair o tempo passado. São enfatizadas as aventuras amorosas e as experiências sexuais de um grupo de jovens, cujo único propósito era viver intensamente – “carpe diem”. Ao dialogar com suas memórias, a narradora reflete sobre questões como o amor, a amizade, os sonhos, a poesia, o corpo etc.
Ainda para Dyl Pires, A Casa do Sentido Vermelho (2013), “é também uma alegoria da própria São Luís (por que não?!)”, que no mesmo instante que acolhe as personagens, também as marginaliza, já que nenhum deles trabalha, mantém contato com a família, talvez, por isso, morem numa casa de móveis e paredes degradados.
Não importa para a narrativa, embora o leitor se pergunte, como essas personagens se conheceram, como foram parar naquele ambiente deteriorado, sob condições sub-humanas. O que de fato importa é que são amigos, amantes e companheiros de boêmia.
A obra é dividida em capítulos curtos, separados por números naturais – um, dois -, ou por vocábulos que mais parecem títulos de poemas, como: “Surdas são as dores de abstinência de Charlote”, ou “O vazado do sol não está no sertão está na seca cerca do coração”. O capítulo quatro é, na verdade, um poema: “Madrugada. Má drogada. Desespera-se a casa vazia cheia de tudo. Avoluma-se inflamado o coração”.
A obra não traz uma sequência cronológica dos fatos apresentados, tampouco se a casa do sentido vermelho é um cabaré, ou um refúgio para os jovens de classe social baixa, que aos olhos da sociedade maranhense, não passam de sujeitos marginalizados. Dois são os fatos dessa exclusão social, que acabam por se entrelaçar com as questões de gênero. Os homens não trabalham, logo, são vistos como preguiçosos e vagabundos, que em nada podem contribuir com o meio no qual estão inseridos. As mulheres, além de não estarem no mercado de trabalho, não se privam de satisfazer suas necessidades sexuais, uma atitude considerada vergonhosa e aviltante em uma sociedade patriarcalista e misógina. Todos viviam sob “o alheio, o olhar alheio, o sentir alheio”.
Como tudo é finito, a narradora não tem mais contato com os (ex?) amigos. “Não somos mais íntimos, cada qual em sua vivenda, vendemos a casa por bagatela, estamos desabrigados (…)”. Esse sentimento de desamparo não é apenas físico, mas, sobretudo, emocional, já que sem a casa, a própria narradora confessa não saber mais quem é, não ter “liberdade para ser” o que se é. Sem esperança em si e no outro, ela questiona: “E agora, aposto em quê? Porque para ser bom é preciso oportunidade”, ou seja, tudo o que as personagens não tiveram.
No final do livro, temos um posfácio intitulado “A casa de todos os sentidos” assinado pelo Ricardo Leão. Nele, o escritor afirma que alguns textos são o “testemunho de uma geração inteira, ou, ao menos, de um grupo específico (…)”. A Casa do Sentido Vermelho (2013), da escritora Jorgeana Braga, é um grito emudecido de um grupo de jovens livres em uma São Luís do Maranhão marcados pela perplexidade existencial de ser e de estar no mundo.
Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)