
Alexandre Lucas
Na bodega ao lado tem de tudo: farinha, prego, cimento, ração, fio, banana, carne, caderno, remédio. Abre todos os dias, inclusive nos feriados e dias santos. Dia santo no Brasil é data para quem é católico, mas todo mundo se dá bem.
Acordou com a bodega na cabeça. Carregava mais coisas que a bodega. Afinal, nasceu quase no final da ditadura, acumulou nesse tempo poeira, enlatados, canções de fúria, algumas luas e dores de cabeça.
A bodega ao lado fica imóvel, aguenta o entra e sai das pessoas. Nos domingos à tarde, fecha. Já ele não pode fechar, fica aberto mesmo. quando consegue dormir.
Ele não tem bodega; tem um tiroteio. A bodega parece pacata, apesar dos fiados e dos esquecidos.
O Brasil talvez seja uma bodega cheia de tiroteios. Raimundo, que anota sonhos para decifrar o resultado da loteria, aposta na sorte. O bodegueiro nas vendas e o vizinho procuram entender sobre monstros e demônios.
Sobre o autor:

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.