Alexandre Lucas*
Estava de vermelho, uma camisa dizendo quem era, uma cueca acochada, isso pouco importa. Chovia, as folhas tomavam banho. As pétalas murchas se despencavam. Tomava café, olhava as plantas molhadas com gosto de ternura, talvez a ternura tenha cara de chuva, de banho bem tomado. Da varanda via os contrastes, a cidade fatiada. As flores enfeitando as ruas esquecidas. Os prédios grandes engolindo as casas dos tamanhos dos corpos. A mãe insultando a filha e guardando o amor para outros dias. O sanhaço veio provar da banana, gostava de ver os pássaros próximos, mesmo sabendo que a sua liberdade é uma narrativa mentirosa, ele não faz o que quer, mas o que é possível, voa para onde pode e escolhe os lugares de pouso, faz a sua defensiva.
A chuva deu uma trégua e o sol ficou dando uns sorrisos, mas o tempo continuou nublado. Quase hora do almoço, ainda de cueca, desfilando pelos cômodos carregados de lembranças. Diante do espelho ensaiava alguns sorrisos para noite, nem tudo é natural. Naquele dia, não tinha bolo de cenoura com cobertura de chocolate, nem o ardido das mordidas das noites de vinho e os olhos cor de mel invadindo de doçura a esperança. Estava tudo espalhado, os lençóis, a caixa de remédio, a xícara e os papéis. As coisas vão se encaixando na medida do movimento, é preciso desorganizar para reorganizar, a organização pode perder seu prazo de validade.
Hora de coçar a barba, enrolar os dedos nos cachos. Ouviu dizer que cuecas vermelhas não despertavam alegria, pouco importava, preferia as brancas ou pretas, mas desejava ficar nu esperando a chuva brincar de construir renovação.
Sobre o autor:
Alexandre Lucas
*Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho no Ceará, pedagogo, artista/educador, militante do Coletivo Camaradas e a integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva.