Ludimilla Barreira*
Enquanto mexia o café na xícara com uma das mãos e rolava as novidades no Instagram com a outra, se deu conta de que conhecia pessoalmente quase todos que estavam nas fotos, já que, recentemente, desistiu de acompanhar pessoas que se autointitulam influenciadoras, pois acreditava que essa exposição onerava a fatura do seu cartão de crédito. Ainda por cima, questionava o termo “seguir” utilizado pelo aplicativo, que lhe trazia à lembrança as crianças seguindo o “Flautista de Hamelin”. Mas, infelizmente, tanta perspicácia não foi suficiente para livrá-la das armadilhas emocionais.
Assim como as tecnologias se aprimoraram para ler seus pensamentos de consumo, a mente dela, apurava as próprias vilanias, criando emboscadas cada vez mais elaboradas, colocando-a em espirais de hesitações, abalando seu íntimo e suas certezas. Pois, quando ela encontrou alguém alcançando sonhos que agora também são seus, e diante das possibilidades que agora tem condições de enxergar, sentiu inveja, mas a travestiu para o outro em forma de afeto e curtidas. Enquanto isso, sentia-se sufocada por um horror a tudo que havia conquistado, ao mesmo tempo em que menosprezava toda a força empreendida em suas vitórias.
Passou o restante do dia com a ponta da língua queimada pelo café quente e desiludida pelas escolhas que fez. Travava internamente um diálogo com seu eu do passado e futuro, trazendo o “e se” como componente obrigatório de todas as frases. Fez regressões com muitas possibilidades e sempre acabava frustrada por não ter certeza de como seria o resultado da história, mesmo mudando os números da equação. Além disso, penalizava aquela que um dia fez as escolhas.
Ainda bem que a pessoa do presente era sensata e ponderada, na maior parte do tempo, pelo menos (pois 100% é perfeição e isso não existe na realidade). Sabia que não era proveitoso despender essa energia, mas tinha consciência de que se sentar no divã de frente para o espelho poderia trazer, talvez, alguma lição valiosa.
Em um estado de ambivalência, desconcertada por acreditar que poderia ter feito mais ou melhor, e agradecendo por ter tomado as decisões que a trouxeram até aquele momento, se questionou: afinal, há vida perfeita? Tentou ver a situação na perspectiva de quem despertou sua inveja, pensando que talvez ela sinta o mesmo de vez em quando. Afinal, é fácil acreditar na facilidade da vida capturada em um momento. Saber disso não resolveu a sua decepção; conformar-se com seus revezes através da certeza de que outra pessoa é infeliz não é uma forma eficiente de acalentar o coração.
Na vã tentativa de se sentir melhor, acreditou que conseguiu fazer um ótimo suco com todas as frutas que a vida lhe ofereceu, chegando ao pódio dessas possibilidades. Lembrou o quanto demorou a aprender que precisa escolher conforme a sua necessidade, pulando as sombras dos desejos alheios e seguindo sua própria estrada.
Por fim, prometeu a si mesma que não vai assistir aos telejornais ou olhar o Instagram enquanto toma seu café pela manhã, pois já tem a certeza de que isso pode tornar seu dia um pouco difícil de atravessar. Talvez seja melhor meditar ou ler um livro enquanto reúne forças para acalmar o leão que a espera lá fora.
Sobre a autora:
Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.