Literatura

Como as Democracias Morrem
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Como as Democracias Morrem

Tarso Araújo O livro Como as Democracias Morrem é um daqueles trabalhos que já entraram para a história da literatura mundial por ser uma espécie de chamamento para decifrar o espírito dos nossos dias atuais. As democracias estão passando por dificuldades. Setores grandes das sociedades se veem sufocados, acham a democracia uma desgraça e embarcam em qualquer aventura extremista para se livrar do que consideram um problema. As democracias, o estado perverso, a educação, a comunidade LGBT, o outro que não professa a mesma ideia de Deus e religião, um imigrante, ou um sindicalista, um comunista, enfim, quem é ou pode ser considerado – ou eleito – como um inimigo. Gente que cresce e não realiza seus sonhos, fica uma pessoa ressentida é um poço para o extremismo. Gente mal resolvida, com...
Quando uma criança nasce
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Quando uma criança nasce

Alexandre Lucas Beijo o útero como partilha do verso e massagem da carne. As cores se mesclavam no final da tarde, entre bandeiras e fantasias, batuques e algodão doce. Pulos, carreiras e brincadeiras. As crianças: poesias andantes. As ruas, banhadas de canções de amor. Seus olhos brilhavam. Observava a menina negra que carregava uma sacola com bombons, quase do seu tamanho. Fotografava a vó e o seu neto. Lançou um sorriso-abraço ao conhecer a costureira que acompanhava o filho. Fez-se noite. Costurou a pele com os seus dedos macios. Fez bordado com fios de leveza e cumplicidade. Acendeu chamas e tocou uma valsa para ser sentida no balanço da rede. Manhã. A renda borda seu corpo espreguiçando bom-dia. Tuas unhas, pintadas durante a noite, preenchem a delicadeza dos teus dedos. ...
Do signo de virgem e suas análises conscienciosas: Zila Mamede
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Do signo de virgem e suas análises conscienciosas: Zila Mamede

Émerson Cardoso Criadora de uma produção literária notável em forma e em conteúdo, Zila Mamede é das autoras brasileiras mais admiráveis, embora ainda precise de maior visibilidade em torno de sua obra, sobretudo em âmbito nacional. Referência na área de Biblioteconomia do Rio Grande do Norte, além de sua atuação como bibliotecária, ela foi redatora, contadora e ensaísta, mas foi (e tem sido) como poeta que seu nome tornou-se merecidamente conhecido.Nascida na Paraíba–PB, Zila Mamede viveu maior parte da vida no Rio Grande do Norte–RN e, desse modo, tornou-se a voz feminina riograndense de maior relevo literário. Sensível, expressiva e atenta à construção da palavra esteticamente trabalhada, estamos diante de poeta complexa que dispõe de produção literária na qual conteúdo e forma harmo...
O mar é violento
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O mar é violento

Alexandre Lucas Desesperadamente, escreveu cem cartas de amor. Acabara de conhecer o mar. O mar é imenso, é fundo, é calmo, violento. O mar e o amor já não cabem na mala. O pequeno homem está de passagem: toca a terra, sente a água, brinca com as conchas. O pequeno homem acredita que o mar está cantando para os seus ouvidos. O vento revolta as águas e faz barulho; o mar não canta. São intervalos de ilusão, enquanto o pequeno homem procura os céus de cabeça enfiada no chão. Pega as cem cartas e faz barquinhos. O mar derruba as cartas. O pequeno homem, já distante, lê Neruda, que morava de frente para o mar e teve muitos amores. O pequeno homem escreve novas cartas, mas não aprendeu a nadar, cuida de uma roseira e teme que o mar acabe com o mundo. Sobre o autor: Alexand...
Estrelas em vasos de olhos
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Estrelas em vasos de olhos

Alexandre Lucas O vento sacudia as folhas. A varanda estava escancarada. Pela primeira vez, estendera uma esteira vermelha e almofadas de fuxico no chão. Olhava para os céus, limpos, e nos seus olhos, estrelas que me faziam dançar. A noite curta não cabia na canção. Iluminado, seguia a noite. Tecia na tua boca a confidência das estrelas, enquanto arrancava os ponteiros do relógio e paralisava os instantes. Cada momento, cada hora, parecia três segundos — menos que isso. Pela manhã, após o café tomado com estrelas e torradas, pinturas e flores, e adoçado com abraços, fechamos a varanda e deixamos os pássaros ventando o horizonte. Abrimos a porta, convocamos a manhã para o bom-dia. Saímos clandestinamente pelas ruas, guardando histórias que só nossas estrelas conhecem. Na esqu...
O modo de ser e de estar no mundo
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O modo de ser e de estar no mundo

Luciana Bessa Somos fruto da “sociedade do espetáculo” (Guy Debord) em que nossas relações acabam se confundindo com mercadorias expostas nas redes sociais. Nesse contexto, a aparência se torna a tônica da existência objetificando e artificializando as relações humanas que deixam de ser vividas em sua essência. Nesta sociedade que cria, edita as regras e os valores é comum o uso de máscaras sociais, como um artifício para se conviver harmonicamente em coletividade, e assim, sermos aceitos e legitimados. A imagem que o sujeito transmite de si é de beleza, força, benevolência, fazendo com que o outro acredite em suas “boas intenções”, na perfeição de suas palavras. Via de regra, as imagens transmitidas são, na verdade, ficções criadas por outros que não nós. Ao longo dos séculos, cr...
A mulher do sonho
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A mulher do sonho

Alexandre Lucas Desfilava de biquíni, tinha uma tatuagem na coxa e balançava um sorriso. Deviam ser três horas da manhã; acabara de lembrar do sonho. Uma sensação de alegria ao ver aquele corpo ousando desafiar os seus limites. Gorda demais, magra demais, e meio-termo era sempre insatisfação para aquela mulher. No sonho, porém, ela parecia exibir volumes de contentamento. Os sonhos que se têm dormindo não são escolhidos. Aquele, em particular, poderia ser excluído da lista dos desejados. Aquela mulher — desfilando de biquíni, tatuagem na coxa, balançando um sorriso — seguia como uma estranha. Não estava para além do mar nem das estrelas; só a encontrava nos sonhos e, inesperadamente, nas lembranças. Os sonhos que se sonham dormindo bem que poderiam ser escritos. Escreveria toda...
A foto do buquê de rosas
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A foto do buquê de rosas

Alexandre Lucas Olhos de paixão e cansaço. Boca flácida, como se esperasse um beijo ou o espanto. Cabelos de fogo e um buquê enorme, rosas vermelhas tapando os seios e a garganta. O trem ao fundo parecia partir. Era a paixão esfumaçada, numa foto posta no varal da economia. O coração é uma flor triturada pelas máquinas de moer gente. As mesmas que trituram o vento e o tempo de aprender a amar. A foto já se perdeu entre a velocidade e a memória. As rosas vermelhas se plastificaram. As roupas escondem a verdade das formas e a sinceridade das primaveras. Já cancelei o prazer e o pôr do sol; as máquinas não me deixam sair, fabricam sorrisos estáticos despachados pelas telas dos celulares. Estão por todos os cantos: nas vitrines de maquiagem, nos supermercados e nas casas de carne, ...
Toca fogo
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Toca fogo

Alexandre Lucas Depositava seus segredos em guardanapos. Escondia-os dentro da primeira gaveta do guarda-roupa. Escrevia em suas saídas solitárias, no final da tarde, entre um café e um suco. Confidenciava para os guardanapos o que se escondia em seus silêncios. Sua gaveta enchia-se de histórias de desejos e pedaços de vida. Ninguém sabia de seus guardanapos eram mais guardados do que os próprios segredos. Chegava a reler cada confidência. Era como se estivesse desmontando um brinquedo pela primeira vez e, depois, não soubesse montá-lo novamente. Reuniu todos os seus segredos numa sexta-feira. Na hora do almoço, fez uma fogueira na praça e atirou-se nela, deixando a salvo os guardanapos. Sobre o autor: Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Ve...
Do signo de leão e suas imprevisibilidades: Cora Coralina
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Do signo de leão e suas imprevisibilidades: Cora Coralina

Émerson Cardoso O Signo de Leão é generoso, forte e imprevisível. Para nosso debate, apresentamos uma escritora que produziu seus textos desde cedo (e até publicava alguns deles de forma esparsa), mas sua primeira obra foi publicada apenas quando ela contava com 76 anos de idade. Esse livro lhe proporcionou imprevisível sucesso e, de repente, ela se tornou conhecida no Brasil inteiro, de modo que estamos diante da autora cuja produção literária representa um dos maiores legados de nossa literatura brasileira: Cora Coralina. Em verdade, ela se chamava Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, porém a vaidade leonina lhe fez optar por esse nome artístico (pseudônimo adotado ainda na adolescência) que a tornaria diferenciada das demais Anas da Cidade de Goiás, terra onde nasceu no dia 20 ...