Literatura

Agricultores de Estrelas
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Agricultores de Estrelas

Vontade de pichar os céus só para dizer o quanto sinto. Nossos manifestos de amor são escritos sobre os olhos, arados na terra, debaixo dos lençóis, pelas manhãs com café e cafuné, na simplicidade de lavar a louça, na rega das plantas, na oferta da batata doce, na pimenta e no chocolate. Falta respiração; a velocidade dos acontecimentos nos faz dançar. São versos costurados no mistério e no segredo. Cabe o céu e a terra no poema sonhar. Hoje fiquei na dúvida, na verdade sem respostas. Não sabia direito o que escrever ou oferecer. Teria um trabalho imenso para enumerar a intensidade, as trocas, o sorriso fácil, os olhos brilhantes, a comida dividida entre o verde e a varanda. O sanhaço  se equilibrando no fio, bicando banana logo cedo. Não saberia por onde começar, se por um ch...
A saudade é uma porta aberta
Literatura

A saudade é uma porta aberta

Dezoito chaves. Manhã, segunda-feira. O ipê do jardim acena com suas flores amarelas para um dia nublado. Faz calor. Garoa. As dezoito chaves abrem cadeados e portas, nenhuma abre caminhos. O sol começa a dar as caras, mas logo as esconde. Tomo suco de caju enquanto brinco com as dezoito chaves. Conto até dez para tentar escutar a respiração: ela está fazendo caminhada e ouvindo música clássica. Os dias estão com gosto de primavera, e as borboletas têm aparecido na varanda. Tenho plantado algumas estrelas e carregado no bolso as chaves. Outro dia, ganhei uma música fazendo cafuné e um par de olhos brilhando como purpurina. Guardei na geladeira um bolo de pote para comer quando puder. Escrevi um poema parcelado em dez vezes para que as surpresas possam ser diárias. A saudade está d...
Do signo de libra e suas reverberações estéticas:
Literatura

Do signo de libra e suas reverberações estéticas:

Júlia Lopes de Almeida Na Literatura Brasileira há um nome que não pode ser esquecido: Júlia Lopes de Almeida. Tentaram fazê-lo, porque o cânone literário nacional fechou-se, por muito tempo, à produção literária de mulheres. Ainda que esse processo tivesse pretensões de justificar exclusões por uma suposta ausência de apuro conteudístico-formal na obra dessas autoras, isso não poderia se aplicar, em absoluto, à obra de Júlia Lopes de Almeida. Nascida em 24 de setembro de 1862, no Rio de Janeiro, Júlia Lopes de Almeida produziu, dentre outros gêneros: poemas, peças teatrais, romances, contos e crônicas. Foi na produção de narrativas, porém, que a autora se notabilizou como uma das maiores do país. É estranho pensar que sua obra obteve reconhecimento no contexto em que ela atuou e, co...
                           Mudando o lugar de colocar perfume
Literatura

                           Mudando o lugar de colocar perfume

Alinhar os quadros: milímetros podem alterar o resultado. Revirou a casa. Espanou o coração. Mudou os móveis como quem planta rosas, com delicadeza e cuidado para não se machucar. Dançou no meio da sala enquanto olhava as paredes. Em cada canto, desenhou uma borboleta; em outros, deixou flores e cheiros. Bordou a casa com as mãos cheias de ternura, marcas de primaveras e invernos. As plantas respiram diferente. A casa passa por reformas. Aos poucos, a cumplicidade se aloja, e os sorrisos vão encontrando abrigo. A cama ganhou braços macios para acolher noites de sonhos e de frio. No jardim, a rosa amarela destaca sua presença. Tomo café. Faço algumas declarações de amor. Atesto que coisas saíram do lugar e que ando mudando até o lugar de colocar perfume. Sobre o autor: Al...
Debaixo do pé de manga tinha um sonho
Literatura

Debaixo do pé de manga tinha um sonho

Talvez Lili fosse seu apelido. Era madrugada de sábado. A menina de treze anos se sacudiu com os gritos. Já era tarde. O homem se mexia—talvez arrependido, talvez vingado, concretamente embrutecido. Seus olhos se perdiam no meio do sangue. Lili já não gritava. Não mexia nada. A menina de treze anos não sabia se gritava, não sabia se corria, não sabia de nada. A menina não teria mais Lili. "Lili está entre as estrelas olhando por nós." Mentira. Lili está costurada nos olhos e na cabeça da menina de treze anos. — Mãe, mãe, mãe... Lili já não escuta. Dizem que Lili foi vista debaixo de um pé de manga, entre beijos e abraços. Lili devia estar enxugando lágrimas, pegando vento, tentando respirar. Lili volta. Lili não volta. Sobre o autor:
A Travessia na Casa Abrigo
Literatura

A Travessia na Casa Abrigo

Um jarrinho com flores de Nossa Senhora. A poeta das plantas oferta o tempo, as mãos para massagear a terra e o brilho dos olhos para adubar a esperança. Há dias, a poeta tempera o solo com nuvens e cores, rega com sorrisos o poema incerteza. A simplicidade alimenta o verso partilha. A poeta, traquina, arma sua rede na lua e se veste de pétalas. A travessia é um sonho entre céu e terra, onde a liberdade grita carinho. O passado é uma prisão desleixada de amor. A poeta tremula sua bandeira de folhas e ventos, um dia de cada vez. O jarrinho de flores de Nossa Senhora é página de um livro inacabado. A poeta não cansa de escrever, na varanda de cara para o sol e a lua, a sua poesia diária. Sobre o autor: Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho....
Cecília Meireles e alguns Problemas da Literatura Infantil
Literatura

Cecília Meireles e alguns Problemas da Literatura Infantil

Não é difícil escrever sobre uma escorpiana - Cecília Meireles - nascida em 07 de novembro de 1901 que exalava mistério, intensidade, magnetismo e uma força descomunal após algumas perdas. Difícil é traduzir em palavras as ausências de uma criança. Antes de nascer, seus pais, Carlos Alberto Carvalho Benevides (funcionário do Banco do Brasil) e Mathilde Benevides (professora primária), haviam perdido outros três filhos: Carmen, Vitor e Carlos. Três mês antes de vir ao mundo, Cecília fica sem o pai. Próximo de completar três anos de idade, falece a mãe. Cecília foi criada pela avó Jacinta e pela babá, Pedrina, que lhe contava histórias do folclore brasileiro. Anos mais tarde, Cecília participaria ativamente da Comissão Nacional de Folclore, porque acreditava se...
  Ensaio para Dias Floridos
Literatura

  Ensaio para Dias Floridos

Macramê se espalhando pelas mãos. A linha costurava paciência, pontuava feridas, juntava no chão a delicadeza. O macarrão com pimenta calabresa, molho de tomate e alho refogava as linhas do jantar, que se nutria de olhares esboçados, de um armarinho de sorrisos. Alguns toques suaves de beijos se faziam vento.  O vestido de listas azuis, bordado de flores, a deixava um jardim. Não era primavera, mas as flores brotaram num piscar de olhos. A jiboia, ganha de presente, estava se recuperando para se espalhar em linhas pela casa, deixando rastros verdes e brancos. Enquanto comia morangos, colhia suas sementes para dois vasos, para engravidar moranguinhos. O vestido de listas azuis, bordado de flores, saiu antes do sol nascer, deixou o macramê para refazer – aquele que segurava um lam...
A cabeça do santo: uma história com mulheres fortes, muitos segredos e um final singelo
Literatura

A cabeça do santo: uma história com mulheres fortes, muitos segredos e um final singelo

A leitura salvou minha vida. Salvou minha vida por me fazer sonhar, nunca parar de escrever, ousar, planejar, empreender (como diz meu querido amigo Boanerges Custódio) e, principalmente, imaginar.   Ler é buscar novas ideias, histórias que nos tirem da poltrona, é ousar, sonhar, ver novos mundos, lugares e pessoas. Sofrer e se alegrar com essas pessoas e situações. E foi com a vontade de buscar um mundo novo como se eu tivesse diante de mim a abertura de mil portas na minha mente e alma que li com avidez e uma incrível sensação de nordestinidade e cearensidade a partir da dica de minha nora de coração, Mairla Santos, e com espanto de felicidade o livro A cabeça do santo, da escritora cearense Socorro Acioli. O livro nos leva à inusitada história de um jovem que sai de Juazei...
A poeta das plantas
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A poeta das plantas

Nas manhãs frias e chorosas, fabriquemos o fogo e os girassóis. Na entrada da casa, espadas de São Jorge e Santa Bárbara testemunham a travessia do tempo, do cuidado e do carinho. As noites estão mais iluminadas: faço fogueira, deito no colo, escuto histórias que assanham meus cabelos. Fiz a barba, cortei o cabelo, estou mais novo. A idade é a mesma: quatro décadas e meia dúzia. Chuto pedras para brincar com as estrelas, ando meio abobado. Talvez seja a fogueira no meio da casa e tuas espadas de São Jorge e Santa Bárbara. Tomo sopa de costela com pão, enquanto observo o gosto do teu sorriso. Tuas malas, aos poucos, vão se encaixando. Mando fazer uma chave da porta de entrada para que entres sem bater. Podes incendiar as madrugadas e o resto do dia. Quando entrares, olha para os lados...