Literatura

Annie Ernaux: uma mulher sem vergonha
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Annie Ernaux: uma mulher sem vergonha

Luciana Bessa* Publicado pela primeira vez em 1997, A Vergonha, é o sexto livro que compõe o projeto literário da escritora francesa Annie Ernaux, que tem o objetivo de vingar sua raça, especialmente, investigar sua própria existência sob o prisma social. Nobel de literatura no ano de 2024, aos 82 anos de idade, graças a sua “coragem e acuidade clínica com que descobre raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal”. Coragem e ousadia são duas palavras que vestem bem autora e obra. O livro traz uma epígrafe do escritor norte-americano Paul Auster retirada da obra A invenção da solidão (1982): “A linguagem não é a verdade. Ela é a nossa forma de existir no universo”. Ernaux afirmará em  A escrita como faca (2023) que se apropriar da linguagem foi a forma ...
Uma política da palavra para os municípios
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Uma política da palavra para os municípios

Alexandre Lucas* Instituir a política do livro, da literatura e da leitura nos municípios é parte estruturante do Sistema Nacional de Cultura e da Política Nacional para o setor que vem sendo retomada pelo Governo Federal. Planejar de forma intersetorial a cadeia produtiva e fruitiva da palavra é essencial para reoxigenar a economia editorial e a ampliação e o   reposicionamento do olhar social e crítico.  O segmento da palavra é gigantesco: escritores, revisores, designers, produtores, livreiros, pesquisadores, bibliotecários, roteiristas, contadores de histórias, rappers, slammer, compositores, cordelistas, programadores, ilustradores, empresários, gestores, etc.  Instituir uma política para o setor é democratizar o acesso da palavra como instrumento de const...
UM FILME SOBRE VOCÊ
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UM FILME SOBRE VOCÊ

A minha mão atravessaO teu ser de imensidãoO meu olhar te encontraNo meio da multidãoGrita, Grita, GritaTua voz me ecoa refrão Vamos construir um roteiroOnde dentro dos rabiscosO escrito é leve e cheio de emoçãoOnde cada cena seriaO desdobramento do coraçãoAo bater Claquete Acelera um turbilhãoMinha mão atravessaO teu ser de imensidão Sente, sente, senteNão é mais tua solidãoÉ a vontade de ter alguém por pertoNem que seja uma só cançãoUma ficção poéticaUm sonho no meio da escuridãoA minha mão atravessaA tua imensidão Ecoa, ecoa, ecoaO doce oi do teu coraçãoSingeleza tuaDeixa esse atravessamento entãoA minha mão, ela não mais te atravessaEra só vontade do meu coração Um filme sobre você
Almoço de sexta
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Almoço de sexta

Ludimilla Barreira* Era mais um almoço com os colegas de trabalho, daqueles que ela se obriga a ir para socializar melhor com a equipe. Na verdade, sua maior vontade era sentar-se sozinha e comer em silêncio. Mas, como a comida era muito convidativa, recebeu bem a insistência da colega.  Enquanto escutava mais uma piada sem graça, percebeu de relance um olhar depositado em sua direção. Não teve coragem de encarar seu observador; distraiu-se com a conversa da mesa e abstraiu.  Mas outra pessoa percebeu e comentou: “Aquele homem olha para você desde que se sentou na mesa ao lado. Você o conhece?”  A amiga inclinou-se discretamente a cabeça e falou quase sussurrando que era o de cabelo escuro e óculos de grau. Ela arregalou os olhos e sorriu com o canto da boca. Ach...
No escuro do meu mundo sinto medo
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No escuro do meu mundo sinto medo

Dina Melo* FujoTateio no escuro as armas depostasTento não desvanecer ante teu grito ameaçadorÀs vezes cantas baixinho para iludir-me de que és o melhorO que deitará aos meus pés heras prateadasMas eu já sei que tuas garras estão à espreitaE prontas as cordas com que enlaçarás meu corpo à rocha duraSei que a fuga não será definitivaMe apanharás nas madrugadas friasEm que meu espírito cansado da luta cederáTemo que perpetuamente encenemos essa dança odiosaE minha liberdade seja sempre transitóriaTu esfarelas meus ossosAtormentas minha carneEnches de sangue minha bocaEscavas meus dias como impiedosa larvaAssaltas-me na doçura das manhãs com teu hálito de fogoMeu sangue estremece quando chegas sorrateiroExiges de mim submissão completaPeço-te paz e sossegoTudo o que tens a me dar é dúvida,...
Assassina de estrelas
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Assassina de estrelas

Alexandre Lucas* Cheguei só. Em tempos de chuva, os bares ficam cheios de mesas vazias.  Entrei, o caminho era o banheiro, desculpa para se situar, dois minutos para fazer de conta que fazia alguma coisa, pelo menos lavei as mãos e saí procurando quem não tinha perdido.   Sentei na primeira mesa vazia e avistei duas amigas, logo estávamos conversando. Com sociólogas, é sempre riso, deboche e sociedade, entre alguns goles e palavras: o jogo da vida da vida demonstrava que não estava fácil para ninguém      Enquanto debulhava as conversas, olhava atentamente meus pensamentos que não tinha nenhuma conexão com o diálogo da mesa, mas ainda bem que as duas sociólogas compuseram a noite. Em uma das mesas tinha bolo de aniversário e umas seis pessoas, não ...
Eu tive um sonho
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Eu tive um sonho

Ludimilla Barreira* Ontem, sonhei com alguém do meu passado. Não foi um pesadelo, diferente dos momentos que compartilhamos. Poderia escrever várias linhas, assim como realmente fiz, mas achei melhor poupar vocês e direcionar todos os acontecimentos ao que de fato me pertence no presente e pode ser transformado para o futuro. Ainda deitada, abri os olhos e fiquei estática, olhando para o teto. O primeiro pensamento foi a sorte que tive de sair de uma situação que em nada contribuía para o crescimento de ambos. Essa foi uma tentativa de não ser completamente egocêntrica, mas, na verdade, custou-me muito, diminuindo-me em todos os aspectos que deveriam ser fortalecidos ou somados. Ainda assim, sei que, vivendo daquela forma, ele também não experimentava nenhum tipo de felicidade. Às...
Compromisso não marcado
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Compromisso não marcado

Alexandre Lucas* Domingo. Suco de limão acrescido de café. Alguns livros e uma dose de frio. O sorriso tinha o tamanho do horizonte e a conversa costurava histórias cheias de retalhos. O dia seguinte era imprevisível. Fazia um relógio de pétalas de flores brancas, o tempo era um lençol suave e as línguas se faziam ponteiros de Tai Chi Chuan.   As mãos amaciaram sorrisos. A cidade estava coberta de arrepios, um convite para abraços temperados de amanhã. O sofá tinha o tamanho da cumplicidade e a música ventilava brilhos. Algumas fotos para revisitar lembranças. Terremotos tão suaves que exerciam imagens de tango. A noite se fez um bloco de anotação, onde as estrelas bordavam neves e a sereia prometia voltar. No dia seguinte, férias. Viagem agendada. As malas estavam leves, ...
Metal brilhante
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Metal brilhante

Francisco Joherbete* Estava a me acomodarEm um estofado sagazQuando olhei para frenteMe deparei com botijão de gás. Um botijão vazioFeito de metalUm metal brilhanteQue me fez passar mal. Quando o viPensei de repenteComo pode o metal como aqueleSer tão aderenteChamar a belezaDe uma forma inocente. Ao comparar-se comigoObservei algo peculiarNós dois temos um brilhoVivo no olharUm brilho não comumE que está muito longe de se acabar. Sobre o autor: Francisco Joherbete *Aluno do 8° ano do Colégio Municipal Pedro Felício Cavalcanti. Gosta de ler poesias e de fazer também. "Abrace sua tristeza".
FRIA
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FRIA

Aqui ao ladoPingoChuvaGotaA água se faz calmariaO nublado do céuÉ a vista para um calmo dia Cômodos representamUma caminhada intensaA casa vaziaMas teu cheiroTeu cheiro ilumina IluminaPercorre a casaA saudade é fria A frieza do espaçoPassa por todo lugarA frieza do passoMe faz te lembrarTudo era friezaMenos o teu corpoAo nos encontrar PassoPassoPassoO caminho da distânciaDo aconchego do abraço Aqui ao ladoPingoChuvaGotaApenas um domingo nublado -ANA RUTY PAZ