Literatura

O que você fez?
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O que você fez?

Luciana Bessa Todos os anos, escuto a Simone me perguntar: “Então é Natal e o que você fez?”. O Natal passou, mas o cansaço, ainda não. Além de trabalhar oito horas por dia (em alguns momentos bem mais), comprar brigas que não eram minhas, cuidar de quem não deveria, me envolver em situações que não me diziam respeito, perder a paciência, porque as coisas não saíram como havia planejado, eu refleti sobre o meu lugar no mundo.  Na condição de mulher, de trabalhadora, de filha, de tia, de amiga, de leitora fico me questionando o que tenho feito. Não se é o suficiente, já que há muitos anos aboli a fita métrica da minha vida. Mas se realmente preciso fazer algo. Existem momentos, como o típico mês de dezembro, que tais perguntas afloram dentro de mim. Desde os quinze anos, eu tr...
Coletivo Camaradas é dor que tempera esperança
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Coletivo Camaradas é dor que tempera esperança

Alexandre Lucas* O Coletivo Camaradas é uma organização que tem lado e formulação política no campo teórico, quem tem construído engenharias sociais, em especial na articulação de rede na área cultural e na luta pelo direito à cidade. Ponto de Cultura que se identifica como organização de esquerda, de viés marxista, que teve início em 2007, tem ao longo dos anos criado pontes de diálogos e de escutas com o poder público, universidades, escolas e os movimentos sociais. Tem pautado um diálogo horizontalizado e distante da orquestra das lagartixas.  O poder público que carrega marcas históricas de colonialismo e tingimentos coronelistas, ainda tem dificuldades de compreender o significado da república e da democracia. Nem todos dizem amém e rezam na mesma cartilha, isso que parece ...
O enigma de um crime delicado
Literatura

O enigma de um crime delicado

Luciana Bessa* Conheci a obra Um Crime Delicado (1997), do escritor Sérgio Sant’Anna ao cursar a disciplina de Estudo da Narrativa ministrado pelo prof.  Teoberto Landim. Aleatoriamente cada estudante elegeu um livro para analisar as características desse fenômeno. Prêmio Jabuti em 1998 de melhor romance, eis uma história de amor embebida no erotismo, na comunhão de diferentes artes, com toques de mistério em que o leitor é convidado a descobrir o segredo não da esfinge, mas de uma musa (Inês). A obra Um Crime Delicado (1997) está dividida em três partes. Em nenhuma delas há um subtítulo. Somente os números um, dois e três. A primeira parte é a mais extensa (1- 84), segunda (87-113) e a última (117-132) páginas. Observa-se que o livro não apresenta micronarrativas. A narrativa é...
Se apenas existisse você
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Se apenas existisse você

Alexandre Lucas * As borboletas enfeitam os olhos, mas não são enfeites. Simetria, composição de cores, delicadeza e quase sem peso. Borboletas não são para abraços, imagina para estômagos. As primaveras são bonitas, têm mais flores e borboletas. Flores e borboletas são para encontros passageiros. Talvez sejamos passageiros de algum momento, mas se o tempo não para, estamos sempre passando. Passar, às vezes é tão fácil, como se desfazer de teias de aranha, mas a história não mostra apenas os fios frágeis das aranhas, nem a vida curta das flores e borboletas. As marcas do tempo são tatuagens recontadas por lobos e cordeiros. As flores e borboletas algumas vezes desaparecem nessas histórias, em outras ganham força de rochas duras pelo tamanho da sua suavidade. As rochas duram...
Vinho
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Vinho

Shirley Pinheiro* O primeiro gole escorre pela minha garganta com a promessa de aquecer meu colo. De dentro pra fora, o sangue decora minha pele. O segundo gole é para acostumar o paladar. Um leve formigamento nos ombros denuncia minha falta de costume. O terceiro gole é pelo prazer. A língua saboreando cada mísero contato com o álcool, pelo simples desejo de prolongá-lo. O quarto gole ainda é poesia, enganchada no sorriso que se atreve, em detrimento dos olhos tristes. Os próximos são disfarces. Minhas veias sangrando pelo desejo de embriagar-se. Um esconderijo ineficaz para o que não é dito. Uma porta escancarada para as lágrimas que se aprisionam. Se houvesse justiça, tua embriaguez também seria por tristeza. E cada gole também carregaria uma prece. Ah, look at all the lonely p...
O retorno de Laura
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O retorno de Laura

Ludimilla Barreira* Esperei Laura na calçada, como fazíamos nos dias de férias. Ela estava um pouco atrasada, chegou horas antes da casa da tia, carregando muita bagagem, essas encomendas que os familiares do interior sempre mandam para os que vivem na cidade e precisam relembrar o gosto da infância.   Percebi que ela teria muitas novidades para contar, pois pulou como quem brinca de amarelinha até chegar aonde eu a esperava. Deu vontade de rir daquela felicidade toda. Era interessante o fato de sermos tão amigas, pois éramos o oposto uma da outra. Laura era radiante. Tinha cabelos que brilhavam luminosos na luz do sol, meio bagunçados, mas que não pareciam de menina desleixada. Com aquele sorriso e suas gargalhadas altas, ela conquistava todo mundo, até a minha mãe que era...
NO MAIS, UM BRINDE ÀS CONVERSAS ATÉ TARDE DA NOITE!
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NO MAIS, UM BRINDE ÀS CONVERSAS ATÉ TARDE DA NOITE!

Shirley Pinheiro* “Só por hoje eu não quero mais chorarSó por hoje eu espero conseguirAceitar o que passou o que viráSó por hoje vou me lembrar que sou feliz Hoje já sei que sou tudo que preciso serNão preciso me desculpar e nem te convencerO mundo é radicalNão sei onde estou indoSó sei que não estou perdidoAprendi a viver um dia de cada vez”(Legião Urbana, 1993) Então é Natal… Chegou o fatídico período em que gratidão e melancolia andam agarradinhas, como um casal apocalíptico que chega devastando os corações (e estômagos) solitários e depressivos. A época em que tudo parece feliz demais, e a ansiedade transborda, ao mesmo tempo em que os ciclos se encerram e as memórias ficam mais saudosas e tristes. Poderia um ano, dividido em 366 dias ter sido o seu pior e melhor ano, ou seria...
Meu aniversário
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Meu aniversário

Ludimilla Barreira* Ontem foi meu aniversário, e a única pessoa que me ligou para deixar claro, através do seu tom de voz, o quanto me ama foi a minha tia-avó. No mesmo instante em que retomo este pensamento, me vem à mente a imagem dos meus pais, que ainda estão vivos e com saúde, além de irmãos e outras tantas pessoas ao meu redor que me conhecem, no mínimo, há 40 anos. Mesmo não encontrando comigo no dia mais importante do ano (pelo menos para mim), acharam suficiente enviar uma mensagem de texto ou áudio para externar suas felicitações. Da mesma forma, fizeram a “Renner” e o “O Boticário”, mas eles ainda me ofereceram cupons de desconto. Eu não tenho a menor pretensão de fingir que não seja doloroso ocupar esse espaço. Mesmo sabendo que existem tantos outros em que eu me encaixo ...
Aos Mestres e Mestras da Cultura…
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Aos Mestres e Mestras da Cultura…

Luciana Bessa* Alguns extraem do couro roupas, sapatos e acessórios capazes de modelar um corpo e embelezar uma casa. Outros, manipulam o barro criando cerâmicas e louças que deixam os espaços mais aconchegantes e convidativos. Outros, ainda, valem-se das palavras capazes de nos transpassar. Quem são? Homens e Mulheres detentores de sabedoria popular, Mestres e Mestras da Cultura cujas habilidades enriquecem um país e o torna um lugar mais desenvolvido seja numa perspectiva política, econômica, especialmente, cultural.  Enquanto o poeta gauche da literatura brasileira, Carlos Drummond de Andrade, concebia o poeta como um “Lutador”, o Mestre/a Mestra da Cultura é um sujeito político e de resistência, que luta contra uma cultura hegemônica e elitista. Eles/Elas não precisam passar...
Brincar de construir renovação
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Brincar de construir renovação

Alexandre Lucas* Estava de vermelho, uma camisa dizendo quem era, uma cueca acochada, isso pouco importa.  Chovia, as folhas tomavam banho. As pétalas murchas se despencavam. Tomava café, olhava as plantas molhadas com gosto de ternura, talvez a ternura tenha cara de chuva, de banho bem tomado. Da varanda via os contrastes, a cidade fatiada. As flores enfeitando as ruas esquecidas. Os prédios grandes engolindo as casas dos tamanhos dos corpos. A mãe insultando a filha e guardando o amor para outros dias. O sanhaço veio provar da banana, gostava de ver os pássaros próximos, mesmo sabendo que a sua liberdade é uma narrativa mentirosa, ele não faz o que quer, mas o que é possível, voa para onde  pode e escolhe os lugares de pouso, faz a sua defensiva.    A chuva deu uma trégua e o sol f...