Literatura

Vivemos tempos adoecidos
Literatura

Vivemos tempos adoecidos

Luciana Bessa Tenho escutado há anos, na voz da Maria Gadú, que o “tempo é o compositor dos destinos”, é o “tambor de todos os rirmos”, talvez, por isso tenha se tornado “um dos deuses mais lindos”. Sei que a urgência em entrar num acordo com ele tem sido minha prioridade. A sensação de cansaço se apoderou de mim. Minha cabeça fica girando quando me deito e os pensamentos se concentram em todas as demandas que preciso realizar no dia seguinte. São curtos os prazos. Meu corpo dói desde o momento em que acordo. Sem falar nas constantes dores de cabeça que me esperam ao abrir os olhos. Sinto que depois de trabalhar oito horas por dia me falta fôlego e disposição para realizar meus desejos. Já cheguei a me questionar se não tenho muitos desejos. A sociedade contemporânea está impre...
Vou me embora de Pasárgada
Cultura, Literatura

Vou me embora de Pasárgada

Vou me embora de PasárgadaLá fui amiga do reiTive muitas felicidadesOutras tantas eu crieiSem esquecer as lágrimasQue aqui também chorei Hoje faz um ano inteiroQue o céu comemorouA chegada de uma luzQue caminhos alumiouTornando mais belo esse mundoCom as pegadas que deixou. A escola planejadaDe um sonho concretizarNaquele sovaco de serraPadre Ágio foi se instalarE a música, mãe das artesFoi a todos ensinar. Cento e um anos vividosCom saúde e disposiçãoFoi pai de uma comunidadeProfessor, orientador e irmãoPedalou pelas veredasDe muito coração. Está no andar de cimaAo lado de Deus SantoPedindo pela humanidadeRico e pobre, preto e brancoPertinho de Padre CíceroEnxugando nosso pranto. Todos perdemos muitoSem a sua sabedoriaELE que fez do bom sensoSua melhor companhiaDeixou a com...
O alívio da música
Literatura

O alívio da música

Ouvir música é um alívio profundo, Quando os problemas parecem nos cercar. A melodia surge, transforma o mundo, E traz à alma um doce acalmar. Nos momentos difíceis, ela nos "salva", Notas dançam no ar, como um abraço. Em cada acorde, a tristeza se dissolve, E encontramos força para seguir o passo. bre a autora: Geysi dos Santos - Estudante e integrante do Clube da Palavra do Colégio Municipal (Crato)
Mãos estendidas
Literatura

Mãos estendidas

Boca miúda, franzida. Dentes quebrados, outros amarelos. Murmurava canções desesperadas, a mão estendida. Olhos desenhados como mapas de cansaço. Senhora negra, quase setenta anos, provavelmente. Percorria ruas e mesas, trocando caminhadas por sobrevivência. Vestido florido, transitava entre olhares áridos e terras asfaltadas. Apanhava silêncios. Balanços de cabeça negando trocados. Eu tomava café e lia Federico García Lorca. A poesia dele desfolhava paisagens distantes e, de repente, colocava aquela senhora no centro da mesa. Sua boca franzida tocava meus olhos. Antes dela, eu também tentava a sorte — jogava na loteria a esperança. O jogo era do meu pai. A chance, mínima. Voltei para casa carregando nos braços o peso daquela boca. Ela não fazia poemas. Nunca leria Lorca. Naque...
Noticiário da Manhã
Literatura

Noticiário da Manhã

Alexandre Lucas Olhos brilhantes, aparentemente atentos, corpo deitado. Era segunda-feira, seis horas da manhã. Parte da cidade se espreguiçava; para outra, o dia já havia começado bem cedo. Apenas um gole de café, a barriga ainda vazia. Os olhos brilhantes, aparentemente atentos, e o corpo deitado estavam ali, na rua. Alguém passou, fisgou a imagem e desapareceu daquela paisagem. Era impossível saber o que acontecera. Restava apenas: olhos brilhantes, aparentemente atentos e corpo deitado. No canto, como quem não quisesse chamar atenção ou atrapalhar o fluxo, mantinha-se inerte. Os mais lentos conseguiam perceber. A cidade está veloz. A violência escorre sobre os olhos, parece natural. O almoço enlatado, as verduras dronadas de agrotóxico e o noticiário — suco de sangue — não ...
O bem-te-vi
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O bem-te-vi

Thais Andrade Todos os dias, costumava limpava meu jardim, nele havia pés de alecrim, erva daninha, samambaias, moreias, logo, era um local cativante, preenchido com um pouco de verde mesmo que contendo uma seletiva quantidade de plantas, já que ainda estava sendo montado aos poucos, ao mesmo tempo era também um atrativo para bichos e insetos que dele se aproximavam. Um certo dia, um lindo pássaro do qual não consegui identificar a espécie pousou próximo ao pé de carqueja, e ficou em cima de uma grade de ferro, virando o bico para o lado e para o outro como quem fosse atravessar a rua. Foi nesse momento que resolvi deixar a vassoura de lado, esqueci a poeira, e concentrei-me a contemplar aquela ave, pensei: “veja, quão despojada está esta ave, você parece carregar em suas asas uma liber...
A hora da estrela, romance de Clarice Lispector
Literatura

A hora da estrela, romance de Clarice Lispector

Marta Kécia Clarice Lispector encerrou sua carreira literária com a obra A Hora da Estrela, publicada em 1977, pouco antes de sua morte. Este romance singular não é apenas o testamento literário de uma das mais complexas autoras do século XX no Brasil, mas também uma inflexão significativa em sua produção: nele, Clarice abandona os ambientes de mulheres instruídas e melancólicas da classe média para lançar um olhar sobre a miséria social feminina, mergulhando na existência apagada de Macabéa, uma datilógrafa nordestina que vive na cidade do Rio de Janeiro. Essa virada, afirma Moser (2009), não representa um afastamento da subjetividade tão característica da autora, mas sim sua radicalização. Isso porque Macabéa, pobre, ignorante e submissa, personifica um “nada” social que, ao ser narra...
Coração na aldeia, pés no mundo
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Coração na aldeia, pés no mundo

Luciana Bessa Lançado em 2018 pela editora UK’A, Coração na aldeia, pés no mundo, da escritora cearense indígena Auritha Tabajara, é uma obra autobiográfica cantada em versos. Contudo, quando a autora traz à tona memórias, percepções e experiências de sua própria vida, ela possibilita que outras mulheres indígenas possam (re)pensar sua própria trajetória.  Sua primeira obra data de 2004, Magistério indígena em versos e poesia, adotada pela Secretaria de Educação do Estado. Em 2020, publicou o folheto Tabajara, toda luta, história e tradição de um povo. A escrita em rimas sempre foi uma das formas que Auritha encontrou para se posicionar no mundo. O cordel é o seu “grito de resistência” para aplacar “suas dores” e as “dores de outras mulheres indígenas” também silenciadas ao longo ...
Mastigando Rapadura
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Mastigando Rapadura

Alexandre Lucas Vazio preenchido de ecos do passado. A tarde transbordava ausências, grilos cantavam nos pensamentos. Seu corpo estendido no chão frio da sala dos livros, enquanto o reggae batia a dança das cobras. Lia sobre os tempos de chumbo e a rebeldia das palavras; foices contra balas, poemas fabricados como coquetéis molotovs nos aparelhos da clandestinidade. Sonhos montados sobre esperança, erguidos de braços e assobios. A tarde escancarava o desejo das multidões, mas só as lembranças compareciam. Ali, na trincheira da sala dos livros, tentava desenterrar o texto. Na guerrilha, há momentos sem pares nem água – às vezes é preciso recuar sete estrelas e sete sóis, para nunca mais voltar. À tarde, que já poderia ser noite, prosseguia. Lá fora, o filho desbravava a cidade em f...
Poemas do grito de liberdade 72, de Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro
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Poemas do grito de liberdade 72, de Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro

Émerson Cardoso Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro é uma intelectual do Cariri cearense que atua em frentes diversas. No âmbito literário, além de ter participado de performances poéticas, movimentos literários e antologias, a autora publicou, em 2022, o livro de poemas intitulado 72.  Com temáticas variadas, o livro dispõe de ousadas incursões no que diz respeito ao conteúdo e à forma. Composto por mais de 72 poemas, ele traz linguagem objetiva capaz de expressar de forma direta, e não menos poética, percepções e reflexões de uma autora experiente em seu ofício. Metáforas, aliterações, sinestesias, dentre outros recursos estilísticos utilizados por ela, estão a serviço de uma construção expressiva e polissêmica do texto. Em poemas curtos ou amplos, tudo concorre, na escrita ...