Literatura

Mastigando Rapadura
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Mastigando Rapadura

Alexandre Lucas Vazio preenchido de ecos do passado. A tarde transbordava ausências, grilos cantavam nos pensamentos. Seu corpo estendido no chão frio da sala dos livros, enquanto o reggae batia a dança das cobras. Lia sobre os tempos de chumbo e a rebeldia das palavras; foices contra balas, poemas fabricados como coquetéis molotovs nos aparelhos da clandestinidade. Sonhos montados sobre esperança, erguidos de braços e assobios. A tarde escancarava o desejo das multidões, mas só as lembranças compareciam. Ali, na trincheira da sala dos livros, tentava desenterrar o texto. Na guerrilha, há momentos sem pares nem água – às vezes é preciso recuar sete estrelas e sete sóis, para nunca mais voltar. À tarde, que já poderia ser noite, prosseguia. Lá fora, o filho desbravava a cidade em f...
Poemas do grito de liberdade 72, de Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro
Literatura

Poemas do grito de liberdade 72, de Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro

Émerson Cardoso Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro é uma intelectual do Cariri cearense que atua em frentes diversas. No âmbito literário, além de ter participado de performances poéticas, movimentos literários e antologias, a autora publicou, em 2022, o livro de poemas intitulado 72.  Com temáticas variadas, o livro dispõe de ousadas incursões no que diz respeito ao conteúdo e à forma. Composto por mais de 72 poemas, ele traz linguagem objetiva capaz de expressar de forma direta, e não menos poética, percepções e reflexões de uma autora experiente em seu ofício. Metáforas, aliterações, sinestesias, dentre outros recursos estilísticos utilizados por ela, estão a serviço de uma construção expressiva e polissêmica do texto. Em poemas curtos ou amplos, tudo concorre, na escrita ...
Escola Pública como farol para políticas de editais culturais
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Escola Pública como farol para políticas de editais culturais

Alexandre Lucas A política de editais no campo da cultura tem sido uma das principais formas de viabilizar o acesso a recursos públicos para o fomento cultural no país. Entretanto, tais recursos ainda estão distantes de atender às demandas sociais. A relação entre o que é ofertado pelo Estado e o que é demandado pela sociedade apresenta um contraste que evidencia nossa distância de um "SUS da Cultura" — objetivo que não deve ser descartado, mas, ao contrário, reforçado. Estamos em um processo político e jurídico para fazer a engrenagem do Sistema Nacional de Cultura funcionar com a responsabilização da União, dos estados e dos municípios. A Lei Aldir Blanc I, a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) são exemplos desse processo em curso, alinhadas à regulamentação do ...
Mundo
Literatura, Sem categoria

Mundo

Francisco Joherbete Às vezes o mundo nos bate Se aproxima de cada um de nós E chuta Sem medo de abater. Às vezes cospe no chão Nós temos que secar A vida é apenas um passatempo E o mundo venha nos maltratar. Muitas vezes a solidão Nos pega de repente E o único aconchego que recebemos É mais um date com esse mundo Divergente. O tapa na cara A cuspida no rosto O chute sem graça E o fogo nos outros. São coisas do cotidiano Que não vêm mais nos surpreender Pois já estamos acostumados De tanto sofrer. Às vezes o mundo quer Sempre nos acalentar Mas sabemos que o fim é o mesmo A cova de esperará. Sobre o autor: A chave da vida é a palavra, por isso escrevo com nenhuma vergonha na cara, "as minhas palavras atraíra...
Resenha crítica de O Quinze, romance de Rachel de Queiroz
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Resenha crítica de O Quinze, romance de Rachel de Queiroz

Marta Kécia Publicada em 1930, O Quinze representa não apenas a estreia literária de Rachel de Queiroz, mas também um marco fundamental na literatura brasileira por inaugurar uma escrita feminina com caráter crítico, social e político em plena efervescência do Modernismo de 1930. Com apenas dezenove anos, a autora cearense rompeu as barreiras impostas a mulheres escritoras e lançou um romance que aborda, com crueza e lirismo, os flagelos da seca nordestina, traçando um retrato pungente da miséria e da resistência de um povo, ao mesmo tempo em que inaugura uma representação feminina vigorosa e complexa. (Sarmento; Moura, 2023). Conforme Tavares (2022), a autora desafia os estereótipos sociais da época ao criar personagens femininas que resistem à dominação e reivindicam autonomia, e C...
Limitada musicalmente
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Limitada musicalmente

Luciana Bessa Sou limitada musicalmente. Sou daquelas que gosto de um estilo, de uma intérprete e fico presa por vontade naquela galáxia musical. Tem coisa melhor do que consumir tudo (ou quase tudo) do que as cantoras que ficam ao lado esquerdo do peito produzem? Quando sou perguntada sobre as vozes que me transpassam, já tenho uma pequena lista na ponta da língua: Maria Bethânia Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Vanessa da Mata, Cássia Eller, Paula Toller, etc. Por isso, quando fui indagada se iria ao show da Flaira Ferro, vi-me perdida no meio do Coliseu vivendo uma encenação de batalhas não baseadas na mitologia clássica, mas no universo musical. Flaira Ferro? Dizem que se você responde uma pergunta com outra pergunta é por que está precisando ganhar tempo para encontrar a ...
Casas de sopros
Literatura

Casas de sopros

Alexandre Lucas Mergulhar no sol seria mais fácil quer mentir. Trair-se é um ato doloroso. Antes de iniciar a batalha, Pablo Neruda é lido – Para Nascer nasci. Intenso e cheios de códigos, desbravava o desejo de viver. Mainha está distante, Neruda nas mãos. Não saberia dizer o quanto a ama, mas queria a intensidade das palavras do poeta para embalar o seu amor, ou simplesmente, um abraço silencioso de quarenta e seis anos. Não seria o suficiente. Painho acordou cedo, feito menino, foi comprar um brinquedo para gente grande – uma máquina de chanfrar couro. Ainda sonha em calçar pessoas. A máquina de chanfrar serve para amolecer o couro, dar poesia no gingado da pele morta. O filho, norte e poema maior, tem seu jeito próprio de declarar amor. Hoje, não almoçou com o pai, mas já t...
Camisa engelhada
Literatura

Camisa engelhada

Alexandre Lucas Acordou às duas horas, achando que já eram quatro. Tentou em vão dormir novamente, reboleou na rede, mas nada de pregar os olhos. Seguiu a rotina: tomou banho, colocou água para ferver com depois ovos, aproveitou a mesma água para fazer o café. Tomou dois goles de café e seguiu para a academia: vinte minutos de esteira, depois as outras máquinas—dia de perna. Voltou escutando um podcast sobre literatura. Trocou de roupa para ir ao trabalho, antes tomou um café no pai como um pedido de bênção.   Rumo ao trabalho, vai lendo um livro de poesia para ver quem passa nas páginas. Quer se desligar do mundo e dos seus problemas. Por alguns instantes, se conecta à paisagem do livro.   Perderam a chave, porta fechada. Espera alguns minutos para bater o pon...
A modernidade
Literatura

A modernidade

Gracynha Rodrigues A sociedade pede humores, e não rumores. Chega de querer essa tal fama fácil, esse status aparentemente alcançável, a busca incessante, e por vezes, alienante levará ao fim a espécie humana? O status quo desafia o próprio indivíduo a passos lentos e temerosos, o existir, a acessibilidade aos poucos usurpa o tempo este companheiro diário, e quando se vê já foram 12h do seu precioso “time”. A correria frenética, a busca pelo apogeu, os likes esperados, o ver não vendo, o ouvir e não escutar, o buscar desenfreado por mais, e o frenesi te devoram. Querer provar o improvável, ter ou ser, eis a questão? Não paramos, sucumbimos e assim nos curvamos, adoramos e louvamos aos seres mortais e digitais existentes. Beiramos a ignorância e, pasmem, nem percebemos, somos robotiza...
No Escuro, SOU TÃO INSEGURA
Literatura

No Escuro, SOU TÃO INSEGURA

Shirley Pinheiro Eu amo quando me encontro nos versos de uma música. É quinta-feira de novo, parece até que as minhas palavras só encontram seus caminhos depois desse pôr-do-sol. Mas, com a devida apropriação da liberdade poética, consideremos que o universo conspira a favor do meu encontro com a poesia, no dia mais cansativo da minha rotina, pra me lembrar que algo ainda vale a pena. Nesta quinta, especificamente, No Escuro, Quem É Você? Faz exatamente 38 minutos que terminei de escutar o álbum recém-lançado de Carol Biazin e encontro-me estatelada no chão do meu quarto, rodeada de gatos, a dois minutos da meia noite, sentindo o que não deveria: uma vontade danada de dançar desgovernadamente no escuro, mesmo tendo que acordar nas próximas cinco horas para ir trabalhar e mesmo ...