Literatura

Sambocracia: um samba que ensina o Crato
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Sambocracia: um samba que ensina o Crato

Alexandre Lucas* O samba tem seu nascedouro nos corpos e identidades dos povos escravizados no Brasil, consolidando-se como um gênero musical que reflete o cotidiano, a resistência e a alegria da classe trabalhadora. A música de boteco, do morro, da beira da rua, do salão e da passarela vai além da diversão e insere-se na dimensão da democratização estética e artística, essencial para ampliar a visão social de mundo e reposicionar o olhar político.   No Crato, o Coletivo Sambocracia, criado em 2018, desempenha um papel político ao promover o samba alinhado à defesa da democracia.   Qual a relevância política do Sambocracia para pensar as políticas públicas para a cultura? Podemos destacar alguns pontos relevantes, como: o aquecimento da Economia da Cultura e de...
Literatura brasileira contemporânea: um Baile Assimétrico
Literatura

Literatura brasileira contemporânea: um Baile Assimétrico

Émerson Cardoso No livro Literatura brasileira contemporânea: um território contestado, Regina Dalcastagnè* faz-nos pensar que, apesar do aumento de publicações, o campo literário brasileiro ainda é fechado e, por vezes, excludente, uma vez que sempre houve, por parte dele, tendência ao apagamento das produções literárias destoantes do aceito hegemonicamente. A autora reflete, desse modo, sobre a quase ausência, no cânone literário nacional, de grupos socialmente excluídos que, apesar dos desafios, não deixaram de escrever e de publicar suas obras. Ela considera, ainda, que pensar a literatura brasileira contemporânea é estar consciente de um conjunto de problemas cujas raízes apresentam vários desdobramentos. Dentre eles, estamos em um país lastreado por desigualdades sociais, racis...
A fragilidade dos Laços de Família
Literatura

A fragilidade dos Laços de Família

Luciana Bessa A família, como é sabido, é o primeiro e o principal grupo familiar que nós humanos integramos. É preciso divisar a família que temos e a família que desejamos. Essa instituição, espaço de contradições, conflitos e harmonia, ao longo dos séculos, tem sido defendida pela Igreja, pelo Estado, sobremaneira, por seus membros para manter um status quo social. Para mantê-la intacta já foram cometidas inúmeras atrocidades, na realidade ou na ficção. Na esteira dessa temática, há o livro Laços de Família, publicado em 1960, (Prêmio Jabuti), da escritora Clarice Lispector. Trata-se de uma coletânea de 13 contos (12 narrados em 1ª pessoa e 1, “O Jantar”, narrado em 3ª pessoa). Na concepção de Érico Veríssimo, autor de Olhai os Lírios do Campo (1938), estamos diante do “mais i...
Ainda Estou Aqui
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Ainda Estou Aqui

Natalia Silva Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o filme Ainda estou aqui (2024), mergulha na dolorosa realidade da ditadura militar brasileira, sob a perspectiva de uma família devastada. Apesar de ser um filme que retrata um período sombrio, a direção de Walter Salles aborda esse tema delicado sob outro ponto de vista. Ao invés de explorar cenas de violência, covardia e tortura, a narrativa traz outro olhar sobre um dos episódios mais marcantes da história do Brasil sem amenizar as barbaridades daquele período. Focando na visão dos familiares e amigos dos desaparecidos e no impacto da opressão sobre eles, mostra o terror psicológico e a dor da perda. Além de apresentar esse fato para o restante do mundo, a obra de Walter Salles coloca o cinema nacional em destaque outra vez. ...
O capitalismo distancia nossos abraços
Literatura

O capitalismo distancia nossos abraços

Alexandre Lucas* Escrevo poesia com a faca na língua. Óculos sujos e letras embaraçadas. A borboleta pousa na nas bananas e o carnaval sacode as minhas dores.  Larissa fala de poesia e de ternura quando me ler, mas está distante, o capitalismo distancia nossos abraços. Tenho andado só e descoberto que as ruas estão desertas e que os corações estão cheios de marcas e assaltos, alguns tiros. Outro dia recebi uma foto da praia: ela estava cheia de sol, enquanto recebia o calor do café numa manhã de sábado, num boteco regado de conversas sobre solidão e arte. A praia estava distante e o celular me atormentava com imagens mentirosas de felicidade. A médica estava melhor, estava quase podendo dançar e cuidar dos animais. Morava só, aliás com os seus cachorros. Faz tempo que a ge...
Incômodo
Literatura

Incômodo

Ludimilla Barreira* Sentada no canto da cama, olho para o espelho e vejo o reflexo da desesperança. Levanto o olhar, na tentativa de lutar contra o torpor, mas é em vão. Não me reconheço. Enxergo apenas um amontoado de massa murcha que se movimenta lentamente, acompanhando a respiração. Parece que essa sou eu. Estou reduzida a essa casca? Cada vez que fecho os olhos, na tentativa de gravar o que vejo, percebo que me transformo, em uma velocidade cada vez maior, em algo que desconheço. No escuro da minha intimidade, abro as gavetas da minha mente, procurando as memórias que se conectam às imagens que se desfazem a cada piscada. Encontro papéis, mas não consigo ler as palavras, pois se desmancham em pequenas partículas ao tocar as minhas mãos, formando nuvens de poeira. Elas me sufo...
A ausência do celular não produz leitores
Literatura

A ausência do celular não produz leitores

Luciana Bessa Educar é um processo ético e inacabado. O trabalho de um professor vai muito além de “dar aula”. Esse profissional partilha conhecimento, estimula criatividade, a pesquisa, o senso estético do estudante, além de contribuir para o seu crescimento pessoal e profissional.  Uma das grandes dificuldades desse profissional diz respeito ao incentivo da leitura, principalmente em pleno século XXI, em meio a um mundo dominado pelas novas tecnologias. Em 2025, o Governo Federal sancionou a Lei 15.100/25, que proíbe estudantes de usarem telefone celular e outros aparelhos eletrônicos portáteis em sala de aula, em instituições públicas e privadas, salvo para fins pedagógicos. Trata-se de uma medida importante para mostrar que a escola não é um mero ambiente para expor conteúdo,...
Não tão bela adormecida
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Não tão bela adormecida

Dina Melo O vento arremessou os telhados Pequenos blocos de reboco caíram pelo chão O bolor subiu da terra úmida O sol descascou a tinta As frutas amareleceram esquecidas nos cestos Tudo cheirava a abandono Escassez Como adormecida, eu andava A poeira se acumulava nos móveis e, distraída, eu desenhava espirais, nuvens, corações Me movia lentamente, crendo que assim o piso não rangeria Sentava nas velhas cadeiras e me punha a remendar as roupas Tentava varrer o chão que desaparecia sob meus pés Tonta, punha flores nos vasos quebrados Comprava vidros coloridos Às vezes, numa fúria louca, bailava pela casa Saía ao relento para que minhas lágrimas se confundissem com as gotas de chuva Os azulejos estalavam Os canos vertiam água As raízes...
Era tarde da noite e eu nem percebi a vitória do breu
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Era tarde da noite e eu nem percebi a vitória do breu

Shirley Pinheiro As ruas vazias apressam meus passos. O caminho de volta é sempre muito escuro. E o silêncio que desliza pelo asfalto, derrete as solas dos meus sapatos. Hoje faz frio. Embora a chuva tenha cessado, o vento ainda respinga gotículas em meu rosto, como lágrimas que encontraram seu destino. Queria poder pular nas poças que se formam à beira da calçada, mas tenho um livro novinho na mochila que não ouso molhar. Aquelas páginas, ainda não lidas, exigem prudência. Então termino meu trajeto sem muitas extravagâncias. A chegada é sempre um alívio. Não que haja muita presteza ao fim da jornada. Geralmente é quando o peso do mundo torna aos meus ombros. Mas é também quando a casa, que não é lar, torna-se fortaleza. Ao subir as escadas, a solidão recua e os cômodos iluminados...
Tempos para fazer bolos
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Tempos para fazer bolos

Alexandre Lucas* Saudade de bolo de cenoura com cobertura de chocolate, isso pode ser um código anunciado meio dia e meio, ou a qualquer momento em que a ausência bate na porta para derrubar. Três dedos de vinho e uma preguiça imensa de ir comprar outra garrafa, a saudade pede vinho. Se possível trocaria a garrafa de vinho por esquecimentos seletivos, deixaria na memória apenas aquilo que não doesse. Mas não quero bolo de cenoura com cobertura de chocolate que me faz mal. Poderia tomar uma garrafa de amnésia para sustentar a realidade, mas elas não existem.  As folhas dançam, nem sempre podem ir com vento. Os bolos acabam. Ainda não acabei o vinho. Os planos para o dia seguinte estão amassados no bolso junto com molho de chaves que não encontram fechaduras. Mas amanhã é se...