Cecília Meireles e alguns Problemas da Literatura Infantil

Não é difícil escrever sobre uma escorpiana – Cecília Meireles – nascida em 07 de novembro de 1901 que exalava mistério, intensidade, magnetismo e uma força descomunal após algumas perdas.

Difícil é traduzir em palavras as ausências de uma criança. Antes de nascer, seus pais, Carlos Alberto Carvalho Benevides (funcionário do Banco do Brasil) e Mathilde Benevides (professora primária), haviam perdido outros três filhos: Carmen, Vitor e Carlos. Três mês antes de vir ao mundo, Cecília fica sem o pai. Próximo de completar três anos de idade, falece a mãe. Cecília foi criada pela avó Jacinta e pela babá, Pedrina, que lhe contava histórias do folclore brasileiro.

Anos mais tarde, Cecília participaria ativamente da Comissão Nacional de Folclore, porque acreditava ser ele um dos caminhos para compreender melhor os homens, além de valorização da Cultura. Defendia que a poesia folclórica deveria estar presente na infância das crianças. De sua pesquisa sobre gestos e ritmos, Cecília publicou o livro Batuque, Samba e Macumba (1935).

Por acreditar que o aprendizado na primeira infância forja indivíduos bons e justos, Cecília Meireles dedicou-se além do jornalismo, do teatro, da tradução, da crônica, à poesia infantil.

Em 1924, publica Criança meu amor, uma obra com trinta e oito textos, que transborda valores como o Belo, o Bem, o Respeito, a Justiça e o Amor (acepção filosófica). Mesclando textos em prosa (34) e poesia (4), a autora discorre sobre o trabalho do professor, o respeito aos pais e ao próximo, a importância do brinquedo e da brincadeira. Ilustrado pelo marido, Fernando Correia Dias, adotado nas escolas do Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco, é um livro que transborda poesia e beleza.

Preocupada com a educação, em especial das crianças, Cecília Meireles assinou, junto com vinte e cinco educadores, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, no ano de 1932, que propunha uma educação única, pública, laica e gratuita.

Dois anos depois, o escritor e intelectual Anísio Teixeira (1900-1971) a convida para organizar o Centro Cultural Infantil, a primeira biblioteca pública especializada do Brasil, no antigo Pavilhão Mourisco, no bairro Botafogo, no Rio de Janeiro. Para além de livros, oferecia atividades com jogos, música, filmes e brincadeiras. Infelizmente em 1937, por ordem de Getúlio Vargas, a Biblioteca foi fechada sob a alegação de disseminar literatura comunista como a obra de Tom Sawyer, de Mark Twain (1835-1910).  Um dos grandes sonhos de Cecília era construção de uma biblioteca universal em que os livros pudessem aproximar pessoas de diferentes culturas.

Cecília Meireles palestrou pelo mundo – na índia recebeu o título de Doutora Honoris Causa – sobre a Literatura. Aqui no Brasil foi convidada para um “Curso de Férias promovido pela Secretaria de Educação, em janeiro de 1949, sobre Literatura Infantil”. O resultado dessa conversa pode ser lida no livro Problemas da Literatura Infantil com três edições: 1951, 1979 e 2001. Com dezenove capítulos, a autora questiona dentre outras coisas:

“A Literatura Infantil faz parte da Literatura Geral?”

“ Existe uma Literatura Infantil?”

“ Como caracterizá-la?”

Nesta obra, Cecília esclarece que não é seu  objetivo delimitar e/ou resolver os Problemas da Literatura Infantil, mas “insistir sobre a sua importância e alguns de seus variados aspectos”. Em sua concepção,  “Um livro de literatura infantil é, antes de mais nada, uma obra literária”, motivo pelo qual a criança nem deveria ter contato com livros de baixa qualidade literária.

Três deveriam ser os critérios para a escrita de livros voltado para os pequenos: conhecimento do público, aspecto artístico em si e compromisso do escritor. Por isso, alertava para os perigos de obras de péssima qualidade e enfatizava a necessidade de explorar a riqueza interior das crianças, estimular sua criatividade e desenvolver o senso crítico delas.

A escrita voltada às crianças deveria ser um exercício de “ciência” e “arte” com um único propósito: “servir”. Histórias fantasiosas e punitivas, elaboradas com uma linguagem simples, deveriam  retiradas  das bibliotecas, já que não contribuíam para a formação da infância. Para além de entretenimento e de passatempo, livros deveriam discutir temas sociais e ampliar o prazer musical e estético dos leitores mirins.

Os questionamentos cecilianos em torno da literatura infantil são mais atuais do que nunca. É necessário aproximar cada vez mais cedo o livro e a criança para que elas desenvolvam o hábito da leitura. Logo, os adultos (em especial a família e os professores) têm um papel fundamental na iniciação destes pequenos leitores ao universo literário.

Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)