Dina Melo*
Talvez a solução seja rasgar os mapas que direcionam meu corpo pelos pontilhados já traçados
Desaprender a língua
Romper com o tempo
Riscar os dicionários
Destruir os roteiros
Incendiar os textos escritos na minha carne
Misturar as cores
Emaranhar as linhas
Explodir como um navio em chamas
Arrasar as terras conquistadas
Cometer tantos erros que o mundo irrompa em gargalhadas
Mas meu desejo de controle, como um general ameaçado, ordena que eu prenda as palavras deste texto
E não escute seus sussurros
Finque meus pés na terra
Mesmo que eu morra no inverno
Quer que meu corpo se aconchegue ao medo, como a um velho conhecido
Para que suas carícias sedutoras me façam novamente adormecer
Como em tantos anos em que seu veneno destilado sobre a minha pele congelou meu sangue
E aplacou as batidas do meu jovem coração desassossegado
Estou sempre repetindo, repetindo, repetindo,
Repetindo até alcançar a certeza que ilude meus sentidos
E enrijece meus músculos e meus pensamentos,
Pêndulos que não alteram a rota nem o compasso,
As grades que me protegeriam, cerceiam minha liberdade
Os muros impedem os amores desconhecidos
As pedras barram o caudaloso rio
As enxadas cortam as flores
As podas, os galhos ousados
Resisto
Esta noite é uma oração
Em que abrirei as gavetas e deitarei à terra todas as sementes.
Sobre a autora:
Dina Melo
*Amante das árvores, das nuvens, do vento, das águas e do som das palavras. Pés no chão, cabeça nas estrelas, sol em Touro e lua em Gêmeos. Herdou a força e a ligação com a Terra das suas ancestrais Tabajaras da Serra da Ibiapaba. Estudou Direito na UFC e é servidora do TRT Ceará.