Ludimilla Barreira*
Escrevo enquanto aguardo para fazer a minha primeira densitometria óssea. Reflito sobre o meu “prazo de validade” como mulher, pois há algum tempo percebo que não sou mais a mesma. Não falo apenas dos fios brancos que aparecem desavergonhadamente nos meus cabelos ou até nas sobrancelhas, mas da minha ausência em circunstâncias que antes eram urgentes.
Envelhecer não tem sido difícil. Sim! Envelhecer. Tenho 39 anos, para alguns muito jovem, para outros “passando do prazo”. Para mim, o que realmente importa é que percebo que o tempo passou enquanto eu estava vivendo, não apenas existindo. Sempre aceitei que começamos a envelhecer no minuto seguinte ao nascer, e não tem problema. Encaro o passar do tempo como um privilégio para poucos.
Sou consciente de que não tenho mais o mesmo viço da pele e me tornei quem eu mais temia. Pois não posso mais usar qualquer base facial, correndo o risco de ela não cumprir com seu papel de melhorar meu aspecto e deixar o registro incontestável de que o tempo passou sem misericórdia. Com essa descoberta, percebi que não havia muito sentido em travar uma luta contra o tempo. Eu perderia em qualquer cenário, sem contar a quantidade de energia que eu desperdiçaria sem nenhum tipo de retorno. Eu já tinha uma certeza: seriam três trabalhos, o de lutar, cansar e, por fim, aceitar a derrota. Preferi negociar.
Por isso, resolvi fazer um trato com ele. Essa longa pausa dramática foi encurtada. Aceitarei de bom grado as condições a mim impostas: não consigo ter a mesma disposição que as coleguinhas de vinte anos na academia, me recupero com uma certa dificuldade em longas corridas, tenho um dia ruim quando não durmo bem, preciso comer menos, pois o metabolismo não ajuda, peço socorro ao dermatologista frequentemente, tomo mais água e me casei com o protetor solar.
Porém, ele prometeu que eu posso saborear com um paladar maduro e apuradíssimo todos os aromas e sabores ao meu alcance. Por exemplo, a solidão agora tem um significado maravilhoso; posso aproveitar a minha própria companhia e todas as maravilhas que posso me proporcionar. E tenho amado estar comigo. Além disso, aprendi com ele a eleger compromissos importantes com a minha própria métrica, deixando de lado as opiniões que não convêm. Afinal, outro ensinamento foi sobre identificar o que realmente importa; nessa disputa, o meu bem-estar sempre ganha.
No nosso contrato, ele disse que eu devo ter mais compreensão do meu próprio corpo. Quanto mais anos se passam, mais adquiro consciência do que sou capaz. Mesmo não sendo possível tantas extravagâncias, posso testar os seus limites. Afinal, há muita emoção em desafiar a si mesmo e ser espectador dos próprios resultados, torcendo a cada vitória como se fosse a maior da vida toda.
Por fim, e o mais valoroso de todos os pontos: ele recomendou que eu cobrasse um aluguel mais caro pela área do metro quadrado que deixo os problemas ocuparem na minha cabeça. Valorizando esse espaço, eu teria poucos moradores e inquilinos escolhidos a dedo, além de poucos conflitos para administrar. Com isso, eu teria oportunidade de aproveitar intensamente.
Ainda bem que tive essa conversa com o tempo. Ele me tirou a sobrecarga do fingimento, da performance inatingível e de esperar, criando uma ilusão de que a minha passagem pelo palco do mundo deveria ser acompanhada das palmas de uma plateia que pouco se importa com todas as dificuldades enfrentadas. Esse peso eu não preciso carregar. Oh Glória!
Sobre a autora:
Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.