Ainda não faz um ano que Hildegardo Benício Milfont, conhecido como Mc Zói, o poeta das ruas, o gênio das quebradas, teve sua vida ceifada pela violência e criminalidade urbana cratense. Os meios que o levaram a esse fim são muitos, as consequências diversas, mas o caminho que poderia tê-lo salvo, segundo o próprio poeta, seria apenas um: a valorização e reconhecimento de seu trabalho artístico. E ele não falava de elogios vazios, muito menos tapinhas nas costas, Não! Hildegardo queria salário, queria possibilidades de crescer e aparecer, queria eventos para ele e seus pares artísticos.
Mc Zói tinha pretensões, anseios e amor pela sua cidade, em seus versos, ela era quase sempre protagonista. Nomes de ruas, bairros, personalidades históricas e anônimas alimentavam as rimas do poeta que tinha fome de arte, mas também de comida, liberdade, diversão e teto! Teto, pois Hildegardo foi morador de rua, flanelinha, entre outros bicos para prover o mínimo que o máximo de seu trabalho artístico nunca lhe proporcionou.
[…] luto, os manos que partiram para nunca mais voltar
luto, contra o meu próprio espirito para não ir também
na carruagem da ilusão que te leva para o além
[…] é por isso que luto para não ser mais um![1]
A obra de Hildegardo transita entre o luto dos irmãos que lutaram antes e a luta dos manos que continuam a lutar com e por dignidade, na vida e nas artes. Infelizmente, o poeta das ruas cratenses foi levado pela “carruagem da ilusão” que tanto temia. Mas o seu desejo continua, Mc Zói acreditou na luta, na transformação e salvação pela expressão artística e, acima de tudo, acreditou no poder das massas, pois em outra composição dizia que “a massa sabe que a massa é massa!”
Hildegardo deixou a mensagem, luta ao nosso lado. 2% do orçamento municipal é apenas um mínimo monetário para um mínimo de dignidade, para tirar alguém das ruas e criminalidade.
2% para a cultura representa a luta contra o luto.
Weverton da Silva
Professor, escritor e músico cratense.
[1] Trecho da música “Luto” composta pelo poeta Hildegardo Benício Milfont e executada pela Banda Matilha 16, 2017. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=i9ZrucPnvZQ&ab_channel=ELEPHANTCreativestudio