Por Alexandre Lucas*
O Cultura Viva é a mais revolucionária e ousada experiência brasileira de políticas públicas para cultura, iniciada como política de governo em 2004 e dez anos depois (2014) tornou-se política de estado e neste processo serviu de inspiração nos mais diversos formatos para ser experimentada em 17 países da América Latina, a partir da nomenclatura de “Cultura Viva Comunitária”. O Cultura Viva sofreu um retrocesso, foi aleijado pelos governos Temer e Bolsonaro, mas continua pulsante, enquanto perspectiva de movimento social e norte para uma política pública intersetorial.
O Cultura Viva é resultado de um percurso de recortes dos movimentos brasileiros que se interligam ao campo democrático, vanguardista e ao mesmo tempo popular, como é o caso do modernismo brasileiro, os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes -CPCs da UNE, O tropicalismo e as movimentos contemporâneos de inovação e democratização midiática. O Cultura Viva é um conceito em formação para os movimentos sociais que se coloca como anticapitalista, antirracista, antipatriacal, decolonial e ligado também ao conceito do bem viver.
No Brasil, ele aponta para um novo redescobrimento do país a partir da profundidade que é a diversidade e pluralidade simbólica do nosso povo que se entremeia e que dialeticamente se tempera de hibridismo.
É a partir do redescobrimento que se reposiciona o olhar e as argumentações para novas realidades. É neste processo onde vão sendo evidenciadas as contradições, as desigualdades e as lutas de classes. É com o carro andando que as mudanças ocorrem dentro da dinâmica social.
O Cultura Viva evidencia de forma contundente para além dos saberes e fazeres estéticos e artísticos, mas se embrenha em colocar na ordem dia, o fracasso do processo de produção, acumulação e distribuição da economia que engendra espacialidades e apropriações da cultura de forma desigual e conflitante.
Perceber a cultura a partir de uma olhar de classe é desconstruir o legado excludente e elitista da políticas públicas no país, na sua essência o Cultura Viva é um terremoto para o assentos antidemocráticos, tanto aqueles declaradamente fascistas, como aqueles que fazem fake news da compreensão de gestão democrática e participativa e ostentam uma concepção romantizada de democracia, esses estão no nosso campo de luta e devem ter suas teses desmascaradas.
O Cultura Viva no campo institucional demonstra que é possível arquitetar uma política pública para cultura de baixo para cima, a partir do alinhamento de reconhecimento, protagonismo e decisão dos movimentos sociais, descentralização de recursos públicos e tentativas de desburocratização do Estado, conexão dos saberes tradicionais e as inovações midiáticas e tecnológicas, florescimento de redes de articulações da sociedade civil autônomas e o caráter de transversalidade da cultura como norte da política pública.
O Cultura Viva vai continuar sendo terremoto, veio para fazer tremer as estruturas do poder, é uma política pública que não esconde que tem lado. Só é revolucionária porque é pensada de baixo para cima.
Mas o Cultura Viva no campo institucional não basta está na lei, é preciso ampla mobilização social, convivência com os conflitos e obrigatoriamente inclusão de recursos públicos. Afinal, de boa vontade não se faz revolução, é preciso criar as condições materiais. Ousemos criar!
*Pedagogo e artista/educador.