Dia das Crianças no Gesso: uma festa política para a classe trabalhadora

Alexandre Lucas

Existe algo de diferente no Dia das Crianças no Gesso? Essa pergunta pode ser norteadora para repensar metodologias pedagógicas e políticas de organização popular.

O Dia das Crianças no Gesso é realizado desde 2009, na cidade do Crato, a partir da iniciativa do Ponto de Cultura Coletivo Camaradas. A localidade é a principal área de atuação dessa organização de esquerda de viés marxista, que funciona como laboratório social para experimentar a relação entre teoria e prática no campo da democratização estética e artística, da educação ambiental e da luta pelo direito à cidade.

O Dia das Crianças, enquanto evento, é uma ação bastante comum em escolas, organizações da sociedade civil e iniciativas coletivas e individuais nos bairros. São normalmente festas caracterizadas pela distribuição de brinquedos, guloseimas, brincadeiras (na maioria das vezes competitivas), aluguel de serviços de brinquedos e comidas. Cada lugar tem suas formas de arrecadar recursos e desenvolver suas atividades.

O que tem de diferente no Dia das Crianças do Gesso? É uma tentativa de fugir da lógica de mercado que caracteriza a data dando-lhe a dimensão de uma festa política e popular.

Para compreender melhor é necessário pontuar essa perspectiva pedagógica e política.

O Dia das Crianças no Gesso é uma ação realizada pelo Coletivo Camaradas, que reúne uma série de organizações da sociedade civil, universidades, poder público e moradores para construir o evento. Essa dimensão de articulação em rede é o principal ingrediente para dar sustância e fortalecimento à iniciativa.

Junto a essa articulação em rede são instigadas ações lúdicas e educativas no âmbito da questão ambiental, corporal, artística e cultural, bem como no fortalecimento do que já é previsível na data, como as guloseimas, serviços de comida e brinquedos.

O período que antecede o dia 12 de outubro é marcado por um amplo movimento de mobilização e articulação social, visando envolver os moradores na construção do Dia das Crianças no Gesso, no sentido de criar relações de identidade e pertencimento com o evento. Nesse processo, são incentivados a contribuir de alguma forma com a organização, seja comprando e distribuindo guloseimas, fazendo comida, confeccionando o material do cortejo cultural, ajudando na limpeza, fotografando ou montando a estrutura do evento. Isso contribui para a descentralização das ações e impulsiona a participação popular.

O cortejo cultural é o momento ímpar do dia. É no cortejo, pelas ruas da comunidade do Gesso, que é possível perceber que não se trata de uma festa qualquer. É uma festa política que traz a agitação e a propaganda (AgitProp) como condução estética. As fantasias improvisadas, os adereços, os estandartes, as faixas, os cartazes e bandeiras se misturam aos grupos da tradição popular, aos militantes de partidos políticos de esquerda, movimentos sociais e aos moradores.

É uma festa da farta solidariedade, da distribuição de tarefas, do envolvimento comunitário, da articulação em rede, de uma estética declaradamente política e do estímulo ao processo criativo. É uma festa em que várias gerações se encontram para brincar, observar, comer e sonhar.

O Dia das Crianças do Gesso não é imparcial ou neutro, pelo contrário, demarca posição e compromisso político, aponta caminhos e se abastece da organização popular. O Coletivo Camaradas não se esconde ao estabelecer diálogos e parcerias com os movimentos sociais, partidos de esquerda, pontos de cultura, poder público e os moradores. O Dia das Crianças no Gesso é uma grande estratégia para repensar e reinventar as formas de atuação dos movimentos populares comprometidos com a emancipação da classe trabalhadora. Engana-se quem pensa que é apenas uma festa.

Sobre o autor:

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.