
Alexandre Lucas
Abria Eduardo Galeano – Dias e Noites de Amor e Guerra. Peço um café. Sou interrompido com um bom dia. Uma companheira de luta, cujo nome desconheço, me oferece um exemplar do A Verdade. Antes de comprar, conversamos rapidamente. Pedi dois exemplares, mas, como boa militante, só restava um. Saiu, deixando pólvoras de esperança. Era manhã de sábado. Aos sábados, visito o centro da cidade para bisbilhotar e fazer as apostas do meu pai, que sonha em ganhar na loteria. Aproveito sempre para tomar café e ler algumas páginas; às vezes, ganho companhia, que não atrapalha em nada a leitura.
No balcão, leio A Verdade entre goles de café. Paro a leitura. A mulher pede uma dose sem equilibrar as palavras e as pernas. Pergunta se posso pagar uma dose; ofereço café ou água.
– Quero cachaça, cachaça.
A cachaça vem, quase meio copo. Ela estranha, diz que tem água, derruba sem querer o copo, levanta e consegue tomar mais de um dedo de cachaça.
Tinha uma flor rosa de tecido do lado esquerdo do peito; nos pés, rachaduras e a cor do chão. Um short camuflado evidenciava suas pernas, sua carne flácida. Sua blusa mostrava a barriga e uma tatuagem de um escorpião nas costas – era do lado esquerdo também. Cabelo curto, metade pintado de loiro. Faltavam alguns dentes. Olhos enviesados de cachaça. Tentava dançar.
Seu nome: Maria da Dores, trinta e quatro anos com desgaste de cinquenta. Prefere ser chamada Dorinha. Mora na rua, dorme coberta pelo céu.
– Rua, rua, rua, rua…
Repetia como ladainha; baixou a cabeça no balcão, olhando de lado fixamente. O brilho dos seus olhos parecia morte.
Levantou. Tentou dançar a música que tocava fora – Pixinguinha. Conversou consigo, tentando entender os tropeços das suas conversas.
Maria da Dores saiu. Fui para casa; Dorinha, pra rua.
Sobre o autor:

*Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.