Shirley Pinheiro
“Tá na hora tem copa do mundo pra gente jogar
E nossa seleção feminina vai representar
Tá na hora de a gente se unir, de torcer e cantar numa única só voz
Que é pra nossas meninas trazerem a tão esperada estrela pra nós”
(Gabi Fernandes — Meninas de Ouro)
Hoje, finalmente, a Seleção Brasileira estreou na Copa do Mundo Feminina da FIFA. E o resultado, contra o Panamá, como já era esperado, foi positivo para nossas jogadoras. Com um time totalmente focado, preparado, estruturado e, principalmente, decidido a trazer a primeira vitória do Mundial para o Brasil, a Seleção, esse ano, tem um desejo especial, dar o título de campeã do mundo à sua maior estrela, aquela que, orgulhosamente, chamamos de “Rainha”, a Marta.
Aos 37 anos, nossa Rainha protagoniza agora sua “last dance”, a última dança. Isso porque Marta, que participa do seu sexto mundial, já deixou claro que este é o último de sua carreira como jogadora. E ela não esconde o desejo de se tornar campeã do mundo, título, até então, inédito para o Brasil.
No entanto, a alagoana de Dois Riachos, eleita seis vezes a maior jogadora do mundo pela FIFA e maior artilheira das Copas do Mundo (masculina e feminina), até agora com 17 gols, não quer ser lembrada apenas pelos seus gols, sua maneira de jogar ou suas conquistas dentro de campo. Marta, que também é Embaixadora Global da ONU Mulheres, pelas meninas e mulheres no esporte e Defensora dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pela ONU, destaca a importância de sua luta pela igualdade e pelo respeito no futebol. “Eu espero que as pessoas lembrem de mim como uma atleta que lutou tanto dentro de campo, quanto fora de campo também”.
E eu tomo liberdade para falar por todos os amantes do futebol feminino e dizer que, sim, Marta, nós lembraremos de você por toda a sua excelência como atleta, mulher, inspiração e resistência.
Mas, parafraseando nossa Rainha (sim, eu adoro chamá-la assim), esta Copa não é sobre ela. “Não é só a Marta. Nunca foi só a Marta. E nunca será só a Marta”. É sobre todas as meninas (Bárbara, Antônia, Kathleen, Rafa, Luana, Tamires, Andressa Alves, Ana Vitória, Debinha, Adriana, Letícia, Bruninha, Lauren, Duda Sampaio, Bia Zaneratto, Ary Borges, Geyse, Monica, Kerolin, Camila, Gabi Nunes, Angelina, Tainara, Aline e Marta). É também sobre as atletas dessa geração, das que virão e das anteriores, porque, se hoje a gente sonha com o título e com um espaço mais igualitário no esporte, décadas atrás a luta era pelo direito de jogar.
Isso porque, durante seu governo, o então presidente Getúlio Vargas decretou a proibição da prática futebolística pelas mulheres. O esporte, considerado violento demais para elas, capaz de “afetar, seriamente, o equilíbrio psicológico das funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ‘ser mãe’”. Assim, em 14 de abril de 1941, foi instituído o Decreto-Lei (3.199, art. 54), que dizia: “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Estava proibido, então, não apenas o futebol, mas qualquer esporte considerado masculino.
Foram necessárias quatro décadas de luta e resistência para revogação da lei. Nesse meio tempo, as mulheres continuaram jogando futebol de forma clandestina.
Mas a revogação da lei não garantiu as boas condições da prática de futebol pelas mulheres. Ao contrário, os espólios dessa época ainda estão refletidos (negativamente) nos dias atuais. O preconceito, a discriminação e desvalorização das atletas brasileiras ainda são extremamente recorrentes. E, se em 2023 nos revoltamos com as injustiças sofridas pelas meninas, esse sentimento se intensifica ao pensar que em 1983, ano em que as mulheres conquistaram o direito de jogar futebol, utilizar estádios e ensinar o esporte em escolas, elas não recebiam qualquer estímulo dos clubes e federações para tal.
Mas, tão grande quanto a revolta, é a emoção ao assistir às conquistas das jogadoras. Ainda que seja o básico, ver as atletas uniformizadas, dentro e fora do campo e lembrar que, em 1988, a Seleção Brasileira usava as sobras das roupas da delegação masculina para competir no Women’s International Tournament, é, no mínimo, emocionante.
A Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia é um sopro de esperança, não só para a conquista do título pela nossa Seleção, mas também pelas conquistas oriundas da luta pela equidade de gênero no esporte. Com 32 equipes na disputa, essa já é a maior Copa na história do futebol feminino. Outro recorde da competição é o número de integrantes que se identificam abertamente como parte da comunidade LGBTQIAPN+, sendo o Brasil a encabeçar essa lista, com nove atletas publicamente assumidas lésbicas ou bissexuais, incluindo a técnica Pia Sundhage.
O futebol feminino é uma luta que não se restringe somente ao campo. É uma luta que se alia às causas de gênero, raça e sexualidade. Onde, cada conquista reflete em sociedade.
Mas, apesar de tudo, ainda há um longo caminho a ser trilhado por todos envolvidos no futebol feminino. “Chorem no começo para sorrir no fim”, disse Marta em 2019, quando o Brasil foi eliminado da Copa da França. Hoje, enquanto assistia à goleada de 4×0 da Seleção Brasileira sobre o Panamá, eu chorei do início ao fim. Chorei quando tocaram o Hino; chorei em cada gol da Ary Borges e da Bia Zaneratto; chorei com as comemorações de Pia e chorei com a entrada da Rainha no segundo tempo. Mas as lágrimas de hoje foram de pura alegria. O contentamento inexplicável de acordar cedo (ou nem dormir) e assistir a uma bela partida de futebol, com atletas talentosas, que encantam, acima de tudo, pelo companheirismo e humildade. “São as meninas de ouro/ Nosso país já sentiu/ Que vai ter Copa do Mundo/ Obrigada por tudo/ Boa sorte, Brasil”!