Luciana Bessa
Há quem diga que filha de peixinho, peixinho é. Eu sempre me pergunto se não seria certo dizer: filho de peixinho é o que ele quiser. Sendo Jarid Arraes filha de Hamurabi e neta de Abraão Batista, conhecidos por seus trabalhos com cordéis e xilogravuras, que caminhos ela poderia percorrer?
Muitas são as possibilidades, mas Jarid resolveu palmilhar, não a estrada pedregosa de Minas Gerais, essa ficou para o poeta Carlos Drummond de Andrade, mas a de Juazeiro do Norte. Aqui, nasceu em 12 de fevereiro de 1991, mas, atualmente, mora em São Paulo e, embora tenha enfrentado inúmeros desafios e escutados muitos “nãos”, publicou As lendas de Dandara (2016), Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis (2017), Um buraco com meu nome (2018), Redemoinho em dia quente (2019) e, mais recentemente, seu primeiro romance, Corpo desfeito (2022).
Seja em verso ou em prosa, há algo em comum na obra dessa juazeirense: o protagonismo feminino, quando traz à tona histórias e nomes de mulheres como: Aqualtune, Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, Esperança Garcia, entre tantas outras.
Em seu site (https://jaridarraes.com), Jarid Arraes faz questão de apresentar-se ao leitor, por isso, fala que cresceu em meio às manifestações da cultura tradicional nordestina, aborda suas influências literárias para além do cordel, expõe suas leituras, desde Paulo Leminski, passando por Manuel Bandeira até chegar em Ferreira Gullar.
À medida que lia escritores, Jarid se perguntava: E as escritoras? E as escritoras-negras? Pensando nisso, ela usou o seu cordel: “Que também é importante / Para que você conheça / E não fique ignorante”, para responder tais questionamentos, além de nos colocar frente a frente com mulheres caririenses das mais diferentes idades e profissões, homossexuais, bissexuais, transgêneros, mulheres comuns, com suas dores e desafios de viver em uma sociedade que parece querer bani-las a qualquer custo. Ignorância e exclusão não são permitidas na obra de Jarid.
Negra, nordestina e bissexual, Jarid Arraes é uma dessas escritoras que dá voz a outras mulheres, especialmente às negras, invisibilizadas no seio de uma sociedade que berra a plenos pulmões o seu não machismo, o seu não preconceito, mas que não faz a mínima questão de ter Conceição Evaristo, autora de Ponciá Vicêncio (2003) e Olhos d’água (2015), no quadro da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Jarid Arraes é filha de peixinho, mas transformou-se em sereia e usa seu canto para dizer que mesmo diante da “pele das pernas esfolada”, dos “pulsos marcados pelos rosários” (…) “é preferível morrer / sorrateiramente / em gorduras / açúcares / refluxos” a desistir (Poema Fábula). Mulheres, negras e nordestinas resistem.