Luciana Bessa
Durante décadas, as mulheres não tiveram vez/voz no samba, já que o palco e os holofotes eram dominados pelos homens. Às mulheres cabiam o papel de musa ou de intérpretes.
No entanto, com suas posturas questionadoras e versos atemporais, elas preencheram esse gênero musical, símbolo da cultura e da identidade do povo brasileiro.
Jovelina Farias Belfort, integrante da Ala das Baianas do Império Serrano, parecia ter música correndo em suas veias. Era frequentadora assídua das Rodas do Botequim da Escola da Serrinha, do Pagode da Tamarineira, no Cacique de Ramos. Estamos diante de uma dessas mulheres sambistas, trabalhadoras, corajosas e ousadas, que usou sua voz para falar de amor, e dos problemas de seu país, especialmente, o racismo.
Cantora e compositora, Jovelina, cuja pele reluzente a fez ser chamada de “Pérola Negra”, é um dos muitos exemplos de resistência dentro de uma sociedade patriarcalista em que a mulher, sobretudo a negra, fica relegada a um papel secundário e subalterno.
Dona de um “Sorriso Aberto”, Jovelina, que enfrentou muitas pedras no caminho, nunca se deixou sucumbir pelo pouco que tinha, por isso, pegou seu violão, fez “alguns acordes” para não permitir que a tristeza se aproximasse de si.
A tia do cantor Seu Jorge gravou cinco discos individuais, embora hoje somente encontremos coletâneas com alguns de seus sucessos chegando, inclusive, a ser agraciada com um “Disco de Platina”.
Dona de uma voz rouca, forte, amarfanhada e de um estilo próprio, conquistou fãs como Zeca Pagodinho, que a descrevia como uma figura alegre e talentosa. Como se não bastasse, há ainda Maria Bethânia, a “Abelha Rainha da MPB”, Alcione (de alcunha “Marrom”), que homenageou Jovelina em um de seus melhores discos: “Profissão cantora”.
Até o Google se curvou ao seu talento. Em 21 de julho, dia de seu nascimento, do ano passado, através do Doodle, foi possível vê-la cantando com um microfone na mão.
Nascida no subúrbio do Rio de Janeiro, Jovelina, trabalhou como lavadeira, babá e vendedora de linguiça. Como empregada doméstica, foram quarenta anos. Seus afazeres eram feitos ao som da voz de Clementina de Jesus – um “fenômeno telúrico exclusivamente brasileiro”, nas palavras do maestro Francisco Mignone.
Escutar Jovelina Pérola Negra é escutar o testemunho de uma história de força e de superação, já que a autora de “Feirinha da Pavuna” tinha uma alegria contagiante. Afinal, ela mesmo dizia: “Já sofri demais. Chorei demais… Agora, quero sorrir”. Por isso, foi à luta, espalhou sua voz pelos rincões do Brasil e se imortalizou, tal qual a sua arte.