Letícia Isabelle Alexandre Filgueira
Nascida em Pernambuco, em 1959, Jussara Farias de Mattos Salazar, vive em Curitiba, desde 1985. Descendente de indígenas, negros e brancos, é artista plástica com várias exposições realizadas pelo país. Como poeta, traduziu livros-objeto em seu estúdio, edições artesanais com algumas tiragens assinadas, tais como Navíovo – Uma epopeia moderna ou A história moderninha da viagem da estrela pelas dobras do tempo; Plânctum; Inscritos da casa de Alice; Canônicas; e Jardim dos Retratos, entre outros.
Tem poemas publicados na revista “Medusa” e em sites como do memorial da América Latina, no qual há também entrevista. Foi incluída na antologia Pindorama – 30 poetas do Brasil, organizado por Reynaldo Jiménez para a revista “Tsé-Tsé” de Buenos Aires. Jussara Salazar tem uma trajetória notória, apesar de a discrição marcar a sua pessoa e sua presença na cena literária e artística brasileira. No fim do doloroso ano passado, Jussara publicou sua última obra, O dia em que fui Santa Joana dos Matadouros, pela editora Cepe, num momento em que poucos puderam festejar o acontecimento como ele merecia; tal ocasião também foi uma continuidade de seus projetos de longa data, e de uma peça forte, única na poesia brasileira atual. Não foi à toa que recebeu o 6º Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura.
A sutileza em Salazar está na recusa do dado imediato, do sentimentalismo piegas que se encontra em constante oscilação, voltando a envolver a poesia brasileira com excesso de afetividade, ou um desejo enorme de causar comoção no leitor de modo mais simples e barato. Muito pelo contrário, até quando toca nos assuntos mais delicados, tal como as carpideiras do livro homônimo ou as fiandeiras de Fia, com seus rastros de vida e morte em coletividade, Jussara busca mover a leitura e a audição dos poemas pelo engajamento material da linguagem, pela construção lenta em ritornelos e desvios, pelo embate mesmo das vidas ali envolvidas, ela própria se envolvendo incontornavelmente.
A trajetória de Jussara em que a pesquisa sobre o outro se torna um modo de outrar-se, inventar-se como ser de linguagem que está a todo tempo variando, atento a mundos diversos. Cada livro, passa a ser um universo que aponta para fora da página, sem nunca deixar de ser força da língua viva, tesa, acesa ao meio-dia.
Praticamente todos os livros de Jussara são marcados por uma profunda unidade de composição, tema e estilo. São livros que se recusam a ser meros ajuntamentos de poemas escritos ao longo dos anos; e mesmo, quando são simples coleção, como parece ser o caso de Copo de peixe em arabesco, percebe-se logo que a escolha dos poemas, sua disposição ao longo do livro e sua imensa linguagem fazem uma unidade singular numa trama linear. Mesmo os textos possuindo suas fragmentações, a sutileza de sua escrita reinventa a unidade, que emerge complexa, repleta de nuances que vão se desenvolvendo no tempo do livro.
Portanto, Jussara Salazar tem a capacidade de estar simultaneamente dentro e fora de uma experiência radical. É uma poeta pesquisadora que está sempre atenta às complexas unidades que o mundo faz na fragmentação de uma poeta que sabe o verdadeiro dever ético de ter muitas vozes, ser muitas vezes o cerne da dor.
Salazar devolve o mundo ao mundo, com toda sua beleza e violência, produz impacto, o corte de faca que só um poema pode conceber.