Ludimilla Barreira*
Corri para casa. Senti a areia movediça dos pesadelos em que tentava correr e não saia do lugar. Tocava o chão com rapidez, com o desespero da sobrevivência. Enquanto girava a chave para abrir a porta, reclamei das duas voltas da fechadura. A urgência me fez questionar coisas antes impensáveis.
Iniciei a subtração das minhas roupas logo que a porta se fechou nas minhas costas. Tirava peça a peça como se me despetalasse. Ansiava as sensações que somente a água pode proporcionar: limpeza, alívio e esperança. Aquela água fria, que tantas vezes me fez sentir pontadas pelo corpo, ao invés de furar minha pele, me abraçava como salvadora.
De pé, silenciosamente, confidenciei àquele líquido as marcas que eram arrastadas a cada gota que encostava em mim e levavam pelo ralo a memória que não poderia permanecer. Agradeci por tudo que ela levou embora. Sem perguntas, sem julgamentos, com o respeito que eu precisava naquele momento.
Desliguei o chuveiro. Saí do banho agradecida.
Coloquei o pé fora de um cômodo e entrei no que parecia a realidade. Ainda sentia aqueles braços, mãos e dedos pesando em cada parte, como se a gordura de suas digitais fossem chagas vivas apenas para mim. Eu as via em um tom de vermelho flamejante, que trazia consigo um ardor insuportável.
Deitada tentei desligar o corpo da cabeça. Preferia permanecer em um estado de profunda insensibilidade e fingir que os dois pedaços eram partes que não precisariam coexistir. Não foi possível.
Foi em vão, pois em cada marca sentia longos braços que me puxavam em um movimento que me desconectava da realidade, fazendo com que eu tentasse emergir de um plano desbotado que escorria nos olhos de fúria que me fitavam a cada toque.
O alarme tocou me arrancando do desespero. Percebi que foi apenas mais um pesadelo real para a vida de uma mulher.
Sobre a autora:
Ludimilla Barreira
*Leitora, sonhadora, eterna estudante e observadora da vida. Além disso, é bacharel em Direito, especialista em Direito Público, servidora do executivo estadual e defensora da igualdade.