Maria Lúcia, Rua das Flores, 245

Tay Oliveira

Em um dia comum, como qualquer outro, me deparei sentada ao lado de uma senhora tão simpática que brilhava o olhar, ela me olhava, e sorria.  Um cheirinho de lavanda exalava do seu corpo, cabelo preso com grampinhos pretos de ferro se destacavam com o tom grisalhos dos seus ralos fios. Olhos baixos, boca pequena e bocejante, e um leve balbuciar que com o barulho intenso de pessoas ao redor, eu me esforçava para escutar.  Suas pequenas mãos, com sinais do tempo alisavam uma a outra logo depois que seguravam no banco da frente para se sustentar

Algumas pessoas no ônibus, já bem cansadas — ora vindo do trabalho, ora indo — pediam pressa ao motorista. E ela, meio tímida e, apesar do cansaço da idade, me contou assim, devagar, mas embalando a história de sua vida para que desse tempo de escutar:

“Eu não tenho pressa, não. Já deixei tudo arrumado em minha casa, pra que eu pudesse ir sossegada à missa, porque Deus é muito bom pra mim. Sempre foi. E eu preciso agradecer. Isso sempre foi costume de casa, sabe? Minha mãe nos ensinou. Ela teve doze fios, e ela agradecia por todos eles. Tudo de parto normal. E há quem dizia, minha fia, que era criança demais, mas ela agradecia a vida de cada um e nos ensinava coisas sobre a vida, sobre organizar a casa, sobre viver em um bom lar. Por isso eu sou assim, puxei a ela, que hoje tá lá no céu vendo que aprendi bem direitinho: gosto sempre de tudo limpinho. Quem não tem o prazer de chegar no final de semana e ver sua casinha arrumada? Ela é simples, não tem riqueza, não. Minha única riqueza é a geladeira cheia, graças a Deus.”

“Minhas fias brigam, porque eu tava adoecendo, porque eu tô sempre a organizar as coisas, mas dizem que eu tinha era que descançar. Mas eu não sou assim, não. Eu parava um pouquinho quando adoecia, mas, se tinha uma melhora, eu já colocava todos os panos da semana de molho e ia lavar a casa, tirar as teias de aranha do teto, deixar tudo organizado. E minhas fias brigando comigo, porque eu já estava velha, já fiz o que tinha que ser feito na vida, e agora eu precisava mesmo era repousar.”

“A gente envelhece, e o povo diz que é o tempo de descansar. Mas eu acho isso bobagem, fia. Nós nascemos da força de uma mulher, e eu não me sinto fraca nem quando estou doente. Eu quero mesmo é aproveitar enquanto estou viva”.

“Eu moro sozinha, só eu e Deus. Fui viúva muito nova, fiquei com quatro fios pra sustentar. Mas Deus sabe o que faz, Ele quis assim. Mas eu não quis mais ninguém, não, minha fia. O Chico era tão bom pra mim. Eu fui feliz, e tirei desse amor força pra criar minhas crianças. Hoje, tudinho tem sua famía, vem apenas me visitar, e eu agradeço por eles se preocuparem comigo.”

“Próxima parada eu desço. Moro na Rua das Flores, 245, e me chamo Maria Lúcia. Quando quiser me visitar, eu moro bem ali.”

E lá se foi Maria Lúcia, que me ensinou em alguns minutos o que é viver com gratidão.

Sobre a autora:

Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri (URCA).