Letícia Isabelle Alexandre Filgueira
Conhecido como o poeta andarilho e um dos principais representantes da poesia marginal no Ceará, Mário Ferreira Gomes, o “Poeta Descomunal” se tornou popular como transeunte da Praça do Ferreira e no Centro Dragão do Mar de Arte Cultura. O poeta escreveu vários poemas sobre a vida em Fortaleza e locais na cidade que ele considerava especial, como a Praça do Ferreira. Ele foi aposentado por invalidez e escrevia desde os 18 anos.
Parte da obra de Mário Gomes foi gravada em vídeos disponíveis na internet, sendo compartilhados milhares de vezes. No poema que ele considerava autobiográfico, Mário Gomes diz não ter residência fixa ou responsabilidades – “Sou um Cachorro Vira Lata”.
Sou um cachorro vira-lata
Não tenho residência fixa
Não tenho responsabilidades
Não tenho dono.
Mas, também, não me falta sexo
Porque conheço lindas cadelas
De tipos diversos.
Onde chego procuro alimentos
Fumo na hora em que me é propício
Um cigarrinho com filtro ou sem.
Sou um cachorro fiel e valente
(Só na aparência)
Pois, sou um cachorro vira-lata.
Sua mãe dona Nenzinha, sempre afirmou que Mário Gomes nascera no dia 26 de abril de 1947, embora o registro oficial aponte uma outra data que é 23 de julho de 1947, daí conhecido sobre ele de que sempre celebrava duas datas festivas para não causar estranheza ao fato. Passou seus primeiros nove anos residindo na capital do Ceará, até que seus pais se mudam e o levam para morar em São Paulo, logo, é matriculado no grupo Paulo Eiró. Em São Paulo, o poeta conclui o ensino primário, atualmente chamado de ensino fundamental. Com os estudos primários concluídos, seus pais decidem retornar à cidade natal. Em seguida, ele finaliza também o ensino secundário, no Curso Humberto de Campos, nível esse que se iguala ao nosso ensino médio.
Foi aos dezoito anos que Mário Gomes se descobre poeta, esboçando seus primeiros versos em 1965, após uma disputa corporal com um “amigo”. A briga foi porque Mário havia se apaixonado por uma menina e não queria perdê-la para o tal rival, e foi baseado nessa confusão que ele fez seu primeiro poema: “Noite calma e violenta, o cão atenta… alguém leva um murro por causa de uma rixa. Em compensação, minha mão incha” (CATUNDA, 2015, p. 24 – 25). Os primeiros versos metaforizam o início de um talento que explodiria sua mais ousada mania de ser. A partir daí o poeta Mário entendeu qual o percurso que tomaria. Foi depois desse conflito que desabrochou no poeta o desejo de escrever, deixando para trás a briga e a paixão.
Mário se fez sujeito de forma autônoma, vivendo intensamente aquilo que lhe parecia liberdade. Pois não aceitou ser preso, seja em uma casa, seja em um trabalho, seja em um hospital psiquiátrico, seja no estereótipo de louco. Encontrou uma forma poética em si, de driblar o mundo externo e se reinventar. Era amante das artes e da boemia, traçou seu trajeto singular no rastro de uma espécie de cartografia sentimental, mapeando e frequentando assiduamente os ambientes culturais e literários de Fortaleza em seus eventos e manifestações de livre acesso. Então, passo a passo entre o perímetro central e a Praia de Iracema, o poeta desenhou sua vida-poema, inventada ao revés, sua marca de resistência e desobediência aos padrões burocráticos e aprisionadores do viver contemporâneo.
Mário Ferreira Gomes faleceu em 31 de dezembro de 2014, com seus sessenta e sete anos, em Fortaleza, deixando um grande legado a cultura brasileira e ao gosto pela vida:
Quando eu morrer / Irão distribuir minhas camisas, /
Minhas calças, minhas meias, meus sapatos. / As cuecas jogarão fora. /
Ninguém usa cueca de defunto. /Irão vascular minha gaveta. /
Vão encontrar muita poesia, /Documentos e documentários. /
Só sei dizer/ Que foi gostoso viver. / Sentir o amor e proteção de minha mãe. /
De conhecer meus irmãos, meus amigos. / De vê de perto as mulheres. /
Só posso deixar escrito: / “obrigado vida”.
(GOMES, 1999, p. 94)
Obrigada, Mário Gomes. Sua poesia nos comove!
Fontes:
CATUNDA, Márcio. Mário Gomes: poeta, santo e bandido. Fortaleza: Editora Aldeiabook, 2015.
GOMES, Mário. Uma Violenta Orgia Universal: antologia poética. Fortaleza: Multigraf Editora, 1999.