Janir Ribeiro*
1.Além de historiadora, professora e, agora, escritora. Por que enveredar no mundo da escrita literária?
Muitas pessoas me perguntam sobre os motivos que me levaram a querer escrever e publicar (mesmo depois dos 60 anos). Respondo que fui buscar inspiração na infância. E mais tarde, quando estudava alguns temas ou me deparava com alguma situação inconveniente, me pegava lembrando lá das minhas primeiras memórias e imaginação. Cenas e imagens de pessoas que me acompanharam por anos.
Lendo os processos da história via lacunas e não encontrava respostas. Comecei a fazer anotações já dentro de uma perspectiva decolonial. Eu tinha ideia dos temas que queria abordar. No entanto, desconhecia as estruturas narrativas e com tantas outras ocupações, engavetava os meus rascunhos, deixando a escrita em segundo plano. Depois que me aposentei fui estudar um pouco sobre o universo literário e gostei. Decidi então levar memórias para a ficção, apresentando um fundo histórico, místicos e folclórico.
2. Qual a sua relação com a leitura e, especial, com o gênero contos? Quem são os/as grandes contistas da Literatura Brasileira?
Sempre gostei de ler desde criança. Maria Clara Machado. Dos livros infantis a João Guimarães Rosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, João Ubaldo Ribeiro, Natércia Campos, Ana Miranda, Conceição Evaristo, Socorro Acioli…O conto, pelo fato de ser uma narrativa curta, era possível encaixar na minha rotina. Além dos grandes: Lima Barreto, Moreira Campos, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Adélia Prado, aponto algumas autoras contemporâneas que também são contistas e me ajudaram a escrever contos: Tercia Montenegro, Vanessa Passos, Pauliny Tort, Jarid Arraes, Monique Malcher, Zélia Sales e Rosa Morena.
3. Seu primeiro livro “Memórias de Lince” (2024) traz dez contos todos com nomes de mulheres e a obra é dedicada “Para todas as mulheres que já sofreram algum tipo de silenciamento”. Como foi o processo de escrita desses textos?
Foi um longo caminho até aqui. Queria falar dessas mulheres que foram importantes na vida de outras mulheres, mas não tiveram o devido reconhecimento do seu valor. Elas sofriam caladas. Desfiaram o seu tempo para sobreviver numa sociedade patriarcal e machista, onde imperava a “lei da obediência”.Apesar de estarem inseridas em realidades periféricas, buscavam se autoafirmar com o cuidar do outro. Um movimento silencioso de acolhimento acerca das questões vitais à existência delas.
Algumas personagens de “Memórias de Lince” viveram num período de censura. Vivenciar internamente em nossas trajetórias coisas parecidas me incomodava, por isso anotava esses pontos, associando a conteúdos trabalhados em sala de aula. Em 2021 fui estudar escrita criativa. Tirei meus rascunhos da gaveta e os primeiros textos foram tomando forma. Selecionei alguns deles que se mostravam com mais força naquele momento. Encontrei a narradora Lince, uma mulher de 70 anos. Ela recorre as suas lembranças e vai tecendo as vozes das personagens de cada conto.
4. Quais seus planos literários após “Memórias de Lince”? Vai continuar no conto ou pretende ir para outro gênero literário, como a poesia, a crônica ou mesmo o romance?
Lancei “Memórias de Lince” para o mundo, aos poucos, ele vai chegando nos leitores.
Ainda não sei se consigo encarar um projeto de narrativa longa como o romance. O que eu sei é que vou continuar experimentando, buscando o meu melhor jeito de escrever o que eu quero dizer.
É importante pensar na existência ou não de uma escrita da maturidade. Muitas mulheres não conseguiram continuar nesse embate que é travado em nossas vidas dia após dia, mas não vou desistir. Pretendo pensar a minha velhice lendo e escrevendo.
5. Você diz que acredita na força das palavras e escrevendo consegue transpor seus próprios limites. Quais os desafios enfrentados no seu caminhar para o lançamento de “Memórias de Lince”?
Escrevo o que não conseguia expressar com a fala. Contar a saga da nossa gente também é olhar para as dores que não podiam ser nomeadas. Sempre fui mais introspectiva, absorvo demais as coisas e não consigo colocar pra fora com a mesma intensidade. Por isso, o meu maior desafio é divulgar em um mundo onde as mudanças aconteceram tão rapidamente, quando não se consegue mais correr tanto para acompanhar os avanços da tecnologia.
6. Deixe uma mensagem para os leitores/ as leitoras que pouco leem mulheres, especialmente, para da região do Cariri.
Não existe tempo certo para começar um projeto novo. Um bom ponto de partida é a leitura. Conhecer melhor autores e autoras da nossa região. Falar da nossa arte e literatura, sobretudo o trabalho de mulheres que ficou no esquecimento. Destaco aqui a Beata Maria de Araújo. Inclusive estou lendo a tese de doutorado da escritora cearense Dia Nobre: “A beata Maria de Araújo e a experiência mística no Brasil do Oitocentos” (2014, RJ) disponível em PDF. As mulheres foram amordaçadas por muito tempo e tem muito a dizer, seja através da arte, da literatura ou da pesquisa. Leiam.
Sobre a autora:
Janir Ribeiro
*Escritora, professora de História, mãe e avó.