Não está sendo fácil

Luciana Bessa 

A existência é assombrosa, ao menos para mim, que sinto uma imensa dificuldade em viver em uma época assolada pelo declínio ético e espiritual da humanidade.

Encontro-me em completa contradição com o espírito do meu tempo em que a “a solidão é a maior ameaça da América no momento”; as relações são líquidas; a positividade é tóxica, o individualismo atingiu um alto nível, a leitura dos livros físicos ficou em segundo plano; ser influencer  é mais rentável do que estudar; Fake News é uma estratégia adotada por alguns políticos para ganhar as eleições; celulares precisam ser proibidos dentro de salas de aula para minimizar as distrações dos estudantes; o uso da inteligência artificial (IA) tem gerado desemprego; o vandalismo e a depredação do patrimônio público (episódio do dia 8 de janeiro) é defendido pela Direita como “liberdade de expressão”; taxação aos produtos brasileiros pelos Estados Unidos ocorre por questões meramente políticas; adultização de crianças e adolescentes por influenciadores etc. Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

Vou parar por aqui, pois corre o risco dos leitores (poucos) alegarem que precisam ler narrativas mais alegres e motivacionais, porque de amarga já basta a vida. É preciso uma pitada de açúcar, pelo menos, na leitura/literatura. Escuto muitos depoimentos de pessoas, por exemplo, que gostam de assistir filmes com finais felizes. Confesso: já fui delas. A popularidade do “foram felizes para sempre” tem a ver com a sensação de paz, satisfação e bem-estar que está dentro de nós. Quem não gosta?

Até mesmo a literatura brasileira, século XIX, sofreu modificações para agradar um público-leitor.  O público de leitoras foi o responsável pela produção de uma literatura “caseira” e “dengosa”, nas palavras do crítico Antonio Cândido, às vezes piegas, fazendo com que o escritor tivesse que pecar no estilo, conferir um tom de crônica e de fácil humorismo às suas obras.  Não tem sido fácil nem mesmo para arte literária, imagine para quem a produz!

Semana passada, o escritor do premiado livro O Avesso da Pele, Jeferson Tenório, teve sua conta do Instagram (com mais de 80 mil seguidores) banida sem a menor explicação da plataforma Meta.

Jeferson Tenório, nas entrevistas que têm dado, atribui o ocorrido à censura que personalidades progressistas têm na internet. É claro, ao meu ver, que essa atitude tem o objetivo de calá-lo e limitar seu trabalho. O escritor escreve para ser lido, para colocar uma “pulga atrás da orelha” do leitor, para gerar empatia, identificação e/ou indignação.

Não dá para pensar em uma vida e uma literatura doce diante de tantas atrocidades. É preciso tirar o açúcar para ver com mais clareza quais são nossos valores, nossas pautas, diminuir nossas expectativas em relação aos outros, desacelerar para enxergar a vida com mais empatia, e compreender de uma vez por todas que, com a mesma severidade com que julgas, serás julgado.

O homem contemporâneo, atrás de sua aparência segura de si, esconde uma grande insegurança intelectual, emocional e espiritual.  Ele se acha um deus todo-poderoso que tudo vê, que tudo sabe, dada a sua capacidade inventiva de produzir máquinas nas últimas décadas. Parece que quanto maior suas criações, mais a criatura diminui em coletividade e generosidade.

Não é à-toa que vivemos uma crise de identidade em virtude do crescente processo de globalização, consumismo e das mudanças climáticas.  Tudo isso tem colocado o sujeito em colapso, produzindo a fragmentação dos códigos culturais, multiplicando os estilos e enfatizando o efêmero.

Em meio a essa fragmentação do sujeito, deixamos até mesmo de sermos “autores” das afirmações que fazemos, dado que apenas seguimos o fluxo do que está posto e não nos questionamos. Em meio a toda essa realidade, me peguei pensando nos “bons e velhos tempos”.

Até esse sentimento de nostalgia foi sequestrado pelo capitalismo para gerar mais lucros: é o caso dos rebootsremakes e revivals. Essas três formas de adaptar narrativas trazem grandes sucessos da TV, do cinema, atores e atrizes que marcaram gerações.  A própria novela das 18h, “Êta mundo melhor”, é uma continuação da “Êta mundo bom”! Já a novela das 21h, “Vale Tudo”, é um remake. Antes dela, veio “Renascer”.

E eu que ingenuamente pensei que a televisão brasileira vivia uma crise de criativa! Que nada! O passado vende. Isso mostra que as emoções humanas são facilmente manipuladas pelo mercado para gerar lucro. Kátia, você tinha razão: “Não está sendo fácil”.

Sobre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)