
Luciana Bessa
Em minha memória, dezembro sempre foi um mês marcado por festividades e simbologias. Este dezembro de 2025 nunca esteve tão insuportavelmente quente e violento.
Sinto saudades daquele tempo em que nossas maiores preocupações dezembristas giravam em torno do presente do amigo secreto, da roupa que seria usada na noite de Natal, da comilança e do ganho de peso, da constatação das metas não cumpridas e do planejamento das metas do ano vindouro.
“Mudam-se os tempos”, mudam-se as preocupações, especialmente para as mulheres. A maior agonia é manter-se viva. Domingo, 07, mulheres em todo país ( eu estava lá) foram às ruas para denunciar os altos casos de feminicídio, além de protestar contra todas as formas de agressão aos direitos femininos.
Mais do que denúncias e protestos, fomos bradar aos quatro do mundo que as leis criadas para a proteção das mulheres não são suficientes para mantê-las vivas. Claro que reconhecemos a importância da Lei Maria da Penha no que diz respeito à proteção e a autonomia femininas. Claro que também sabemos que ela enfrenta muitos desafios para ser aplicada de forma eficaz e eficiente.
Em municípios de pequeno e médio porte não há abrigos e serviços de apoio à mulher. Muitos deles sequer têm delegacias especializadas. Não existe, inclusive, um número exato desses equipamentos espalhados pelo país. Dados do IBGE, apontam uma variação entre 404 e 429 delegacias especializadas.
O Ceará, por exemplo, é composto por 184 municípios e tem somente 11 Delegacias de Defesa da Mulher (DMMs). Ou seja, esse quantitativo nem mesmo atende a Constituição Estadual do Ceará de 1989. Isso porque a nossa Carta Magna estabelece que o município que tenha mais de 60 mil habitantes, receba uma delegacia especializada para o atendimento à mulher vítima de violência.
Quantos municípios temos com mais de 60 mil habitantes? 28 no total. Em pleno dezembro de 2025, 20 deles continuam sem a presença de uma DMM.
Sendo a DMM a porta de entrada para denúncia, investigação, solicitação de medidas protetivas, encaminhamento para redes de apoio (psicológico, social e jurídico), a falta dela favorece que o ciclo de violência permaneça.
Dia 10 passado – Dia Internacional dos Direitos Humanos – instituído pela ONU desde 1948, representa um lembrete na luta contra desigualdades e violências e, claro, na promoção da liberdade e da cidadania.
Não podemos perder de vista que neste texto as mulheres só foram incluídas em virtude da insistência de uma brasileira, Berta Lutz, com a ajuda das delegadas do Uruguai, do México, da República Dominicana e da Austrália que reivindicaram a criação de um órgão intergovernamental para a promoção da igualdade de gênero.
Embora esse documento seja um marco no reconhecimento formal da igualdade entre homens e mulheres, na prática, precisamos lutar dia após dia para nos mantermos vivas. São tantas as explicações para que essa desigualdade entre gêneros seja tão forte em nossos tempos, que talvez nem mesma eu pudesse elencar todas elas.
Mas há um ponto crucial que carece ser exposto: a educação. Assim como bell hooks, concebo o ato de educar como um ato político. Ou se educa para reproduzir a dominação, ou se educa para se contrapor a dominação.
Infelizmente nossa educação é pautada na primeira opção. Uma parcela da sociedade brasileira conhece a misoginia, mas não filoginia – uma educação que reconhece a força, a importância e o amor às mulheres.
Não vejo, por exemplo, as instituições de ensino dialogando sobre as microviolências. Elas são tão disfarçadas (elogios, piadas) que parecem ser meras “brincadeiras”, mas que na pratica desqualificam e/ou diminuem grupos minoritários (mulheres, negros, LGBTQIA+, etc). Tais microviolências são operadoras dos estereótipos e preconceitos.
Não vejo também as escolas/academias literárias, universidades discutindo a Lei 14.164/2021, que prevê conteúdos de prevenção à violência contra às mulheres. Sem contar a Lei 14.986/2024, que inclui as experiências e as contribuições das mulheres nos currículos. Interessante frisar que nenhuma dessa Leis nasceram para punir, mas para educar. O que me pergunto é:
As instituições de ensino dialogam sobre tais leis de forma contínua?
As instituições de ensino debatem sobre o patriarcado?
As instituições de ensino refletem sobre a igualdade de gêneros?
As instituições de ensino expõem o trabalho das mulheres na Ciência, na Política, na Economia, na Literatura?
As instituições de ensino encorajam as mulheres ocuparem os espaços de poder?
Afinal, temos educado nossas crianças e jovens para a misoginia ou para a filoginia? Que dezembro continue nos lembrando que é um mês de renovação!
bre a autora:

*Idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler (nordestinadosaler.com.br)
