Dina Melo
O vento arremessou os telhados
Pequenos blocos de reboco caíram pelo chão
O bolor subiu da terra úmida
O sol descascou a tinta
As frutas amareleceram esquecidas nos cestos
Tudo cheirava a abandono
Escassez
Como adormecida, eu andava
A poeira se acumulava nos móveis e, distraída, eu desenhava espirais, nuvens, corações
Me movia lentamente, crendo que assim o piso não rangeria
Sentava nas velhas cadeiras e me punha a remendar as roupas
Tentava varrer o chão que desaparecia sob meus pés
Tonta, punha flores nos vasos quebrados
Comprava vidros coloridos
Às vezes, numa fúria louca, bailava pela casa
Saía ao relento para que minhas lágrimas se confundissem com as gotas de chuva
Os azulejos estalavam
Os canos vertiam água
As raízes das plantas invadiam as soleiras
Pensava que pelas frestas abertas na sala eu poderia ver o jardim
Pelos buracos no teto, o luar
Tudo desmoronou tão vagarosamenteque imaginei poder deter
Mas já não tenho mãos que sustentem os alicerces
Vejo minha imagem refletida no abismo das rachaduras
As flores silvestres no peito murcho
Estou morta
Sobre a autora:
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*Amante das árvores, das nuvens, do vento, das águas e do som das palavras. Pés no chão, cabeça nas estrelas, sol em Touro e lua em Gêmeos. Herdou a força e a ligação com a Terra das suas ancestrais Tabajaras da Serra da Ibiapaba. Estudou Direito na UFC e é servidora do TRT Ceará.