Luciana Bessa
Nove contos, nove vozes de mulheres integram a obra Nem uma vez uma voz humana, da escritora paraibana Débora Gil Pantaleão. Cada texto segue o fluxo da consciência e olha para o interior de cada uma das personagens submetidas a diferentes tipos de violência.
Com a capa de Ícaro Medeiros, uma epígrafe de Samuel Beckett (de onde foi retirado o título do livro), um prefácio de Lucimar Bello, a autora nos apresenta uma escrita cortante sobre mulheres que vivem situações tensas e densas.
No primeiro conto “Janela Abaixo”, a narradora conta-nos como foi seu dia. Uma temática comum se não fosse por um detalhe: “Detestava crianças. Não sei como consegui ser uma” (p. 17). Depois de dez anos de casada, Daniel, o marido, a convenceu a engravidar.
A princípio ela acreditou que se tivesse um filho se sentiria mais conectada com a terra, para ela não “ficar querendo ir embora daqui. O tempo todo” (p. 17). No entanto, com a chegada de Leo, a conexão não aconteceu e a protagonista nunca mais viu filho e marido. Ou seja, acreditar que a mulher se realiza na maternidade não passa de uma ideia esdrúxula de uma sociedade patriarcalista.
O texto “Autoquíria mental e o vento” é iniciado por um poema do mestre português Fernando Pessoa, cujo eu lírico defende que só de ouvir passar o vento, “vale a pena ter vivido”. Aqui, a protagonista esbofeteou-se “contra o suicídio. Até o fim, até o fim” (p. 30). Assim, como no conto de abertura há pouco mencionado, sua rotina é comum. Ir ao supermercado, comprar frutas, chegar em casa, pensar em fazer um café, ajeitar “A dobra do pano da mesa” (p. 30), porém, enquanto faz tudo isso, uma ideia fixa a atormenta: “O gás, saindo pela boca” (p.31). A forma como algumas mulheres são afetadas pela sociedade e pela coletividade resultam no fim de suas vidas.
Em “Déjame vivir”, em contraposição ao conto anterior, a personagem central deseja a vida, porém, não suportando as dores que lhe são impingidas, se automutila: “cortei o polegar esquerdo com a faca mais afiada” (p. 35). Diagnóstico médico: “stress”. Receita para a cura: “tomar floral” (p. 36), o que na prática não acontece: “Jogo no vaso. Descarga” (p. 36). A tormenta da protagonista que “Acha insuportável estar perto de gente” (p. 36) contamina o leitor. Por onze vezes o parágrafo – “Quantas vezes, chega. Quanto tempo, dura. Quantas vezes, volta. Bolero que. Não dou conta. O dedo tremendo esses dias. Médico diz, é stress. Manda tomar floral. Vou não sei o porquê. Jogo no vaso. Descarga” (p. 37) – é repetido pela narradora numa busca incessante de se encontrar e sabe para onde seguir. Trocaria seu “dia por uma ideia” para saber como parar “você”, “o dedo” e a “a faca”. Não conseguindo, “Corta!!!” (p. 38). Não sabemos se apenas o dedo ou a vida em sua totalidade.
Nem uma vez uma voz humana é um convite a todos(as) nós para discutir sobre os mais diferentes tipos de violência que as mulheres sofrem em uma sociedade criada pelos e para os homens.
Fonte:
PANTALEÃO, Débora Gil. Nem uma vez uma voz humana. João Pessoa. Ed. Escalera, 2017.