Noite quente e unhas roídas

Alexandre Lucas

Os gatos na rua olham para a varanda. Toca Caetano. A baiana de Ilhéus manda entusiasmo e pergunta sobre as trincheiras de luta. O capitalismo distancia os abraços e o café.

Os gatos comem coração de boi jogado da varanda. A baiana diz que as unhas cresceram e conseguiu pintá-las com “Noite Quente”, um roxo intenso de uma marca de esmalte. Unhas pintadas são difíceis de roer.

Neblina. Os gatos procuram abrigo sob as portas. A baiana comenta que Ilhéus está frio. Fala que há dias difíceis em que sente se esvaziar, mas afirma: “É preciso resistir”.

Lá fora, parece haver uma briga. É final de domingo: nos bares, homens e mulheres cantam em ritmos embriagados. Uma criança chora; outras correm atrás da bola. Quase todas gritam.

O filho traz bolo de macaxeira para o pai. “Deve comer amanhã cedo”, diz, caso não se esqueça. A baiana está distante do abraço e do café, mas nos encontramos todos os dias na fábrica da luta e da esperança, batemos o ponto cedo.  

Sobre o autor:

Alexandre Lucas é escrevedor, articulista e editor do Portal Vermelho.